quinta-feira, 6 de março de 2014

Gerir

"Há expressões muito comuns no desporto que merecem ser esmiuçadas. Por exemplo: «gerir o resultado» ou «fazer uma boa gestão do tempo». Estou para os jogos como a «gestão de expectativas» está para os economistas. Nem sempre com bons resultados, convenhamos.
Gerir significa, primacialmente, procurar uma boa conjugação se atingirem os objectivos (eficácia). No futebol, tem a ver, entre múltiplos factores, com o doseamento do esforço físico, o apuramento de forma, o esforço mental, o equilíbrio psicológico, a confiança ou falta dela. Numa palavra, tem a ver com pessoas, não com máquinas. E isto faz toda a diferença. E também porque, do outro lado, estão outras pessoas com objectivo simétrico. Por isso, gerir não pode ser dissociado de quem igualmente quer gerir, ainda que de maneira diversa e para um resultado diferente.
Mas gerir também quer dizer, no jargão desportivo, deixar passar o tempo com o menor sobressalto possível (leia-se, golos sofridos). O problema é que, não raro, em vez de se matar o tempo é o tempo que pode matar a dita gestão. À medida que se escoa essa variável inexorável que é o tempo, o gerir tem um duplo e contraditório significado: está-se mais perto da completa boa gestão, mas mais longe de a recuperar perante um percalço.
Na última jornada, os jogadores do Benfica resolveram gerir o tempo no Restelo. Acabou bem, mas quantas vezes, em circunstâncias similares, se pode acabar mal. Não teria sido melhor ir directamente para o 2.º golo, em vez de gerir tanto tempo com um resultado tão somítico? Até por causa da nossa gestão de nervos..."

Bagão Félix, in A Bola

Gestão olímpica ou caminhar no arame - eis a questão

"Não nos levem a mal que não nos indignemos se no próximo Belenenses-Sporting o árbitro castigar os visitantes com 'penalty' por falta feita por um 'placard' para lá das quatro linhas.

O Benfica venceu os seus dois últimos jogos para a Liga expressando magramente a sua inquestionável superioridade em ambas as ocasiões através de resultados, enfim, lacónicos para não dizer preguiçosos. Na Luz, o Benfica ganhou por 1-0 ao Vitória de Guimarães e no Restelo ganhou por 1-0 ao Belenenses. Lacónicos e inquietantes resultados.
É verdade que valeram, e valeram muito, valeram precisamente 3 pontos, os golos solitários de Markovic e, por último, o de Gaitán. Do ponto de vista artístico nada há a reclamar. O sérvio e o argentino, cada qual em seu palco, assinaram golos raros e de grande beleza.
Golos tão especiais, tão espectaculares que, findos os dois jogos e garantidas as vitórias, uma pessoa até se pode dar ao luxo de pensar que, perante monumentos daqueles, seria desperdício procurar marcar mais porque mais golos só viriam roubar o protagonismo devido aos artistas em causa.
Com todo o respeito pelos artistas, este não é o caminho mais aconselhável para o estado de taquicardia geral entre os adeptos e para a recuperação do título que foge ao Benfica vai fazer quatro anos.
Gerir resultados de 1-0 é caminhar no arame, é pôr-se à mercê de velhas circunstâncias bem conhecidas de um Benfica que, nas últimas duas temporadas, perdeu estupidamente nas últimas jornadas as vantagens amealhadas ao longo da prova.
As palavras de Jorge Jesus no fim do jogo do Restelo ilibam-no deste pecado que não é, de todo, nem de orgulho nem de gula, mas que é um pecado de ócio activo. O treinador do Benfica reprovou o “excesso de confiança” da sua equipa que, por não sofrer golos com a frequência com que sofria num passado recentíssimo, se terá convencido de que é imbatível. Portanto o 1-0 chega.
Não chega. Como se viu, por exemplo, no jogo com o mesmíssimo Belenenses na primeira volta do campeonato. O Benfica marcou cedo, aos 18 minutos por Cardozo, começou todo contentinho a gerir o resultado e o Belenenses, num lance tão fortuito quão irregular, empatou o jogo à meia hora. Da gestão olímpica à sofreguidão foi um instante e depois nem uma hora de jogo chegou para o Benfica dar a volta ao resultado e ganhar o jogo como era a sua obrigação.
São estes os perigos da gestão de resultados tangenciais. No domingo, no Restelo, só não se repetiu o filme porque o fiscal-de-linha que acompanhava o ataque do Belenenses na segunda parte assinalou, indevidamente, um fora-de-jogo a Tiago Caeiro invalidando-se assim o golo do empate dos anfitriões.
É certo que ainda faltavam vinte minutos para o fim da partida e que nesses vinte minutos o Benfica poderia voltar a adiantar-se no marcador. Ou antes pelo contrário. Mas nunca fiando.
O golo anulado a Tiago Caeiro suscitou grande indignação nos debates televisivos que se lhe seguiram. Sobretudo indignação vinda dos analistas emocionalmente ligados ao Sporting cuja distância pontual para o Benfica é perfeitamente anulável se o Benfica persistir neste modo insensato de gestão de resultados tangenciais.
Admito a indignação. Não se pode exigir ao rival imparcialidade de julgamento nestes momentos. Não se lhes pode exigir que considerem o golo mal anulado a Tiago Caeiro no Belenenses-Benfica como uma resposta da divina providência ao golo mal validado a Diakité no Benfica-Belenenses. Era pedir muito. 
Também não nos levem mal, caros rivais de sempre, que não nos indignemos por aí-além se, eventualmente, no Belenenses-Sporting da antepenúltima jornada da Liga, o árbitro resolver castigar os visitantes com uma grande penalidade por uma falta cometida por um placard de publicidade, geograficamente fora das quatro linhas, sobre um qualquer jogador do Belenenses.
Dirão os adeptos do Restelo que foi a divina providência a ressarci-los daquela singular ocorrência do jogo da primeira volta em Alvalade. E quem, de bom senso, os pode contrariar?
No entanto, com todo o respeito pela divina providência, pouco fiável na minha opinião alicerçada em décadas de acompanhamento da Liga portuguesa, venho encarecidamente solicitar aos jogadores do Benfica que não se fiem na Virgem, que desçam à terra e cumpram o que falta cumprir, são 9 jogos, imbuídos de um fortíssimo espírito de divina previdência.
Previdência não é providência. Previdência é ser previdente, é acautelamento, é precaução, é prevenção. É tudo menos gerir resultados tangenciais.

POR ocasião do centésimo-décimo aniversário do Sport Lisboa e Benfica foi inaugurada no Estádio da Luz uma estátua a Béla Guttman.
Fica bem ao Benfica homenagear de forma perene o treinador que lhe deu os seus únicos títulos europeus. Foram dois, brilhantíssimos, na prova maior, conquistados a equipas à época consideradas imbatíveis como o eram Barcelona e o Real Madrid.
É certo, também, que tudo isso já foi há muito, muito tempo. O agradecimento do Benfica a Guttman chegou trinta e três anos após o desaparecimento do treinador húngaro. É caso para se dizer que tardou mas chegou.
Béla Guttman tem, finalmente, uma estátua na Luz. E está morto, já não treina.
Cada emblema sabe de si no capítulo dos preitos. Kelvin, por exemplo, tem um espaço que lhe é inteiramente dedicado – Espaço K - no museu do Dragão. E Kelvin está bem vivo. Mas não joga.

NA semana passada, o Correio da Manhã escreveu em letras gordas: «Benfica TV rouba clientes à Sport TV».
Sem pretensos moralismos, trata-se de um título sensacionalista porque roubar é feio, é crime, é pecado e, em boa verdade, a Benfica TV não roubou nada a ninguém, muito menos à Sport TV.
Pronto, com boa vontade aceita-se. Trata-se tão-somente de uma figura de estilo este “roubar” e todos sabemos como o futebol, tão rico em personalidades, em eventos e em folclore, se presta às hipérboles, às metáforas, ao exagero.
O Correio da Manhã, no fundo, limitava-se a noticiar um parecer da Autoridade da Concorrência revelando o impacto obtido no mercado pela estação de televisão do Benfica que ultrapassou já os 300 mil assinantes. O que explica, segundo a referida Autoridade, a descida do número de clientes da Sport TV. O canal de Joaquim Oliveira atingiu um mínimo de subscritores que não se verificava desde 2008, regista a imparcial Autoridade no seu parecer. No Verão, quando a Benfica TV passou a transmitir os jogos do Benfica no Estádio da Luz e a cobrar por isso, houve muita autoridade do futebol nacional, gente de peso e bem-falante, que temeu publicamente pela «verdade desportiva» da coisa. Temia-se, por exemplo, que o Benfica sonegasse imagens que de alguma forma pudessem comprometer ou incriminar os seus jogadores e demais funcionários perante as altas instâncias dos conselhos disciplinares da Liga e da FPF.
Felizmente e bem depressa se provou o contrário. Na lamentável recepção ao Arouca, que terminou num empate, foram transmitidas, sem qualquer espécie de véu, as imagens de Enzo Pérez, agastado com o árbitro, dirigindo-lhe aquele gesto redondo de mão, algo sensacionalista, qual título do Correio da Manhã, gesto que subentende “roubar”. Deu em sumaríssimo, evidentemente, e o argentino foi suspenso por um jogo graças às imagens transmitidas pela Benfica TV amiga da verdade desportiva.
Já no último domingo, a Sport TV roubou aos seus assinantes as ocorrências mais mirabolantes do palco de Guimarães ao falhar a transmissão das imagens de Ricardo Quaresma «de cabeça quente», em «descontrolo emocional» – cito as noticias dos jornais porque não se viu nada disto na TV – «gritando aos ouvidos do auxiliar», «pontapeando as protecções laterais das câmaras de televisão» – e eram as câmaras da própria Sport TV! – «apontando o dedo a um adepto num gesto de espero por ti lá fora» e «indo ao banco do Vitória pedir explicações». De acordo com o relato deste jornal «valeu a intervenção do médico portista a tirar o extremo do olho do furacão». Valeu-lhe isso e a ausência de imagens televisivas. Na qualidade de assinante da Sport TV, uma pessoa sente-se roubada. Roubada, não. Roubada é exagero, é hipérbole. Sente-se antes defraudada. Sumaríssimamente defraudada."

Leonor Pinhão, in A Bola

Tentação de Jesus

"Terão os acontecimentos das duas últimas épocas servido de lição para Jorge Jesus? Conseguirá o treinador do Benfica manter a ideia (e o discurso) de que, este ano, o Campeonato é o objectivo supremo, para cuja luta está disposta a sacrificar competição europeia e taças de Portugal e da Liga? Mesmo com vantagem de nove pontos para o FC Porto e de cinco para o Sporting, resistirá o técnico encarnado à legítima tentação de voltar a olhar para a Liga Europa como meta igualmente a alcançar, agora que já está nos oitavos de final e depois de, há menos de um ano, ter perdido de forma inglória a final diante do Chelsea?
Até agora, e pela primeira vez desde que chegou à Luz, Jorge Jesus parece estar a resistir a todas a tentações. De forma algo surpreendente, apostou numa segunda linha nos dois jogos frente ao PAOK, poupando os principais craques para os desafios da Liga interna. Resultado: quatro vitórias, somando as duas europeias e as duas do Campeonato. Objectivo, portanto, cumprido e cumprindo o prometido: «O Campeonato é o que queremos realmente conquistar!»
Mas, agora, segue-se o Tottenham, um gigante Inglês, e o prémio é a presença nos quartos de final, ali cada vez mais perto da final de Turim. E Jesus dá-se bem com os Ingleses. E... resistirá à tentação de tudo querer? Seguirá os passos do seu homónimo de há dois mil anos, quando este, após o baptismo, foi jejuar por 40 dias e 40 noites no deserto da Judeia e resistiu a todos as tentadoras ofertas que o Diabo lhe foi fazendo?
Sempre que tudo quis, Jesus, o do Benfica, tudo perdeu. Aconteceu há duas épocas quando voou até aos quartos de final da Champions (caiu diante do Chelsea e com queixas sobre a arbitragem) mas, em parte pelo sacrifício extra na Europa, viu voarem os cinco pontos de vantagem que chegou a ter sobre o FC Porto na Liga; aconteceu na época passada, quando voou até à final da Liga Europa (novamente o Chelsea como carrasco...) mas, de novo, viu voarem cinco pontos de vantagem que tinha sobre os dragões, à beira do fim... Em breve, veremos."

João Pimpim, in A Bola

PS: Uma rectificação: na época que fomos eliminados da Champions pelo Chelsea, os pontos perdidos que nos custaram o Campeonato, foram perdidos muito antes dos jogos com os Ingleses, e a responsabilidade principal foi dos Xistras, dos Hugos Migueis, dos Proenças e dos Soares Dias e até dos Capelas...!!!

O 'suplente' Jardel

"Gerir um balneário não deve ser tarefa fácil. Mormente um grande clube onde a complexidade de sensibilidades, idiomas, idiossincrasias e amuos, diz-se que uma boa dor de cabeça de um treinador é ter dois jogadores (pelo menos) para cada posição. Melhor que só ter um ou... nenhum, diria o Senhor de La Palisse, caso o futebol existisse no seu tempo (1470-1525).
Vem isto a propósito de um atleta que considero exemplar: o defesa-central Jardel. Um verdadeiro jogador de equipa e para a equipa. Quando entra, como titular ou suplente, cumpre com a regularidade de um pêndulo. Joga sem deslumbrar, mas com a qualidade necessária e suficiente para a equipa não entrar em sobressalto. É o que, na gíria, se pode chamar um suplente de luxo (curiosa e paradoxal expressão).
Mas tanto ou mais importante, Jardel sabe conviver serenamente com essa condição (quiça injusta) de substituto. Não evidencia mal-estar, não se agasta, não desiste, não dá entrevistas a queixar-se, não faz gestos indisciplinados quando sai ou entra. Pelo contrário, joga com o profissionalismo e a intensidade de titular apesar de ser o terceiro, depois de Luisão e Garay. No recente jogo com o V. Guimarães foi um herói, no desempenho e no sacrifício, numa situação de tremenda dificuldade física. De seguida volta à normalidade de suplência, sem azedume ou lamúrias.
Jardel é,  por isso, precioso. Indispensável numa equipa que joga para ganhar em todas as competições. Tão precioso como os titulares indiscutíveis. Por vezes, até mais. Ainda bem que não saiu do Benfica. Os adeptos estão-lhes gratos."

Bagão Félix, in A Bola