quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Um texto especial sobre Mário Coluna

"As mortes de Eusébio e de Coluna, surgidas neste cinzento início de ano de 2014, vieram reavivar a noção de uma notável realidade histórica de um Portugal de coração grande, do tamanho do mundo. Um Portugal que se rói por dentro nos defeitos mais pequenos e que raramente se estimula nas grandes virtudes.
Disso mesmo me falava esta manhã, Jorge Olímpio Bento, meu particular amigo e director da Faculdade de Desporto do Porto, ao fazer-se chegar-me um texto que quero partilhar com os leitores da A BOLA. Dizia assim:
«Creio que a única vez que estive com Mário Coluna foi nos I Jogos da Lusofonia, realizados em Macau, há alguns anos. Lembro-me bem de um momento altamente simbólico. Estávamos muito próximos um do outro, na tribuna de honra do estádio, aquando da cerimónia de abertura. A bandeira portuguesa subiu no mastro e o nosso Hino Nacional foi tocado. Mário Coluna levantou-se como toda a gente, mas fez algo mais: cantou A Portuguesa. Alguém da comitiva moçambicana lhe dirigiu um qualquer reparo. Coluna reagiu em voz bem audível, dizendo que Portugal era também a sua Pátria e jamais esqueceria a honra de ter sido capitão da Selecção portuguesa.
Este pormenor merece ser bem reflectido, até porque somos grandes nos feitos e pequenos nos defeitos. Qual seria o país europeu, a não ser Portugal, que, nos anos 60 do século passado, teria um cidadão negro como capitão de uma Selecção Nacional? Fica aqui a minha homenagem a Mário Coluna e para a disposição lusitana em incorporar o diferente e estranho».
Um editorial deve sempre obedecer a uma posição institucional da direcção do jornal. Se reproduzo, aqui, este texto, é porque ele representa, em rigor, o que me vai na alma."

Vítor Serpa, in A Bola

O 'mister'

"O mister é o treinador no mister ou ofício do futebol. Sem excepções, seja jovem ou reformado, competente ou desastrado, de elite ou de divisões secundárias, professor ou com a 4.ª classe, português, inglês ou de outra parte. O mister é sempre mister. Por vezes até, os jogadores referem-se ao treinador em duplicado semântico: o senhor mister. Mesmo quando vítima de chicotada (para ele) psicológica (para os jogadores), o mister não deixa de o ser para os seus antigos jogadores, ainda que não venha a exercer mais esse mister. É provável que a origem deste tratamento radique no facto de a Inglaterra ser a mátria do futebol e de ter havido muitos treinadores ingleses no passado.
O grupo de trabalho - outra expressão recorrente no futebol - é dirigido pelo mister numa mistura de liderança respeitosa e de convívio de balneário. Curiosa é a mudança de tratamento por um jogador em ruptura com o treinador. Passa do afável mister em inglês para o distante ou despeitado senhor em português.
Um jogador que passa a mister começa a ser tratado não por um, mas por (pelo menos) dois nomes. É mais uma prova de que o mister é respeitado ou temido.
Interrogo-me como será o tratamento com as treinadoras. Pela mesma regra dos homens serão Mrs se casadas ou Miss se solteiras? Ou simplesmente senhoras ou donas?
O mister (à inglesa) está para o futebol como o chef (à francesa) está para a culinária. Tudo uma questão de cozinhado linguístico. Certo é que a lista nacional das profissões não inclui a de mister. E nos Centros de Emprego não há empregos para misteres. Mesmo assim, não há mister de mudar de tratamento."

Bagão Félix, in A Bola