terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A fúria do mar vermelho de encontro à praia do Seixal

"No dia 2 de Fevereiro de 1964, cumprem-se agora 50 anos, o Benfica obtém uma vitória histórica: 10-0. Eusébio marca pela primeira vez seis golos num jogo do Campeonato Nacional. Não seria a última...

Em 1964, o concelho do Seixal era um dos mais industrializados do País. Garantiam os dados disponíveis que a região viva quase em exclusivo das suas actividades fabris.
A protecção das chamadas «indústrias novas» por via do tratado com a EFTA, faz arrancar na zona as famosas siderurgias.
Fundado em 1925, o Seixal Futebol Clube vive também nessa altura a fase mais brilhante da sua história. Na época de 1962/63 garante a subida à I Divisão onde se mantém por dois anos. Aflito, é bem verdade. Em 1963/64 é o antepenúltimo classificado e salva-se à justa, descendo o Olhanense e o vizinho Barreirense. Em 1964/65 não resiste: é penúltimo com oito pontos. Abaixo só o Torreense, com sete. E no lugar acima, o Lusitano de Évora soma 20...
Não mais voltaria o Seixal à I Divisão. Mas, ainda assim, ficou sempre ligado à história do Benfica. E de Eusébio.
Em 1963/64, o Benfica tinha o hábito saudável das goleadas. Na Luz despachou o V- Setúbal com 5-2, o Belenenses, por 5-2, o Olhanense, por 8-1, o Barreirense, por 8-0 e o Varzim, por 8-0. Eusébio ia fazendo miséria. Mas, no dia 2 de Fevereiro de 1964, o Benfica e Eusébio abusaram. Era uma tarde de sol e os 'encarnados' vestiam de branco. Ironia, na certa. Diabos brancos. Ironia também no nome do guarda-redes do Seixal: chamava-se Trancas. Sofreu 10 golos: DEZ! Só de Eusébio sofreu seis.
Diz quem lá esteve que poderiam ter sido mais, que o Benfica abrandou o ritmo entre o quarto e o quinto golos e ente o novo e o décimo. Natural. Perfeitamente natural. A quem agrada a degola dos inocentes?

Sempre com pressa
Torres foi o primeiro a «molhar a sopa», se me permitem a expressão, logo aos 5 minutos. Depois apareceu Eusébio. «A man in a hurry», chamaram-~lhe os ingleses dois anos mais tarde. Um homem com pressa. Eusébio tinha essa pressa urgente de golos. Ainda antes de estarem decorridos 15 minutos de jogo, já marcara três (8, 11 e 15 minutos). Aos 37, mais um. Eusébio tinha pressa e o Benfica tinha pressa. Até ao intervalo, sete golos: Yaúca (39m) e Torres (44m). Pairava sobre a equipa do Seixal a sombra de uma goleada sem igual. Mas, no segundo tempo, a tormenta acalmou.
Não acalmou de imediato, porque aos 47 minutos Yaúca fez o 8-0 e, aos 53, Eusébio arrancou um pontapé impressionante de livre directo para o 9-0.E, então sim, as vagas alterosas do mar do ataque do Benfica começaram a bater suavemente sobre a praia da defesa do Seixal.
Trancas conseguiu ser visto a agarrar algumas bolas sem ter de as ir buscar ao fundo das redes.
Mas ainda faltava a Eusébio fechar a festa. A dez minutos do apito final do árbitro Saldanha Ribeiro, tem um lance individual de extraordinária categoria e conclui o seu duplo «hat-trick». Tão perfeito que nenhum dos golos foi de «penalty».
Estávamos na 16.ª jornada, e Eusébio apanhava Figueiredo, do Sporting, no topo da lista dos melhores marcadores com 15 golos. Marcaria 28 nesse Campeonato Nacional.
O Benfica, por seu lado, atingia a redonda marca de 60 golos, bem melhor do que o segundo ataque mais concretizador, o do Sporting, que levava 38. No final do Campeonato, o título seria entregue aos 'encarnados' com naturalidade e somaram um total de 103 golos em 26 jogos. De truz!
Não era a primeira vez que Eusébio marcava seis golos num jogo. E não seria a última. Já cometera proeza no Campeonato de Reservas, contra o Sport Lisboa e Olivais, no dia 18 de Abril de 1962. Voltou a marcar seis golos em 1968, no dia 12 de Maio, no Estádio da Luz, contra o Varzim (vitória do Benfica, por 8-0). Aqui sim, também para o Campeonato Nacional. No ano seguinte, a 25 de Outubro de 1969, a vítima foi o Boavista: o Benfica repete o 8-0 e Eusébio repete a marca de seis golos.
Guardamos a memória desses dias para novas crónicas, se me derem licença.
Com a certeza de que para Eusébio não havia impossíveis..."

Afonso de Melo, in O Benfica