"O tempo do tempo é variável na vida e memória de cada um. Perante uma efeméride de uma morte esse mistério do tempo adensa-se. Passaram 10 anos desde o dia da morte de Fehér. A morte, o único tempo certo da nossa existência, é não determinável no tempo de cada um. Por isso, a morte faz da vida um trajecto quase imortal na cabeça de uma criança, um desenlace longínquo no coração de um jovem, uma incerteza certa na alma de um velho. Na juventude pensamos na morte sem a esperar e na velhice esperamo-la sem nela às vezes já pensar.
Há 10 anos escrevi em A BOLA um texto sobre o trágico desenlace em Guimarães. Revisito-o agora. Há vidas e há mortes. Mesmo que iguais no obituário são, em nós, diferentes. Fehér morreu naquele segundo que, inexoravelmente, separa a vida da morte e que, então, foi dramaticamente o tempo de um só segundo. Sem possibilidade de despedida. Ali, separado de nós por um controlo remoto de uma televisão, entrou directo na casa da nossa alma. Mesmo assim, teve o tempo para sorrir. O tempo para adormecer. Numa relva molhada que acolheu silenciosamente os pingos de suor do seu último trabalho.
Na sinfonia turbulenta dos sons despreza-se muito essa nota que é apenas o silêncio. Mas, o silêncio na morte já diz tudo no respeito de nada dizer. Porque o silêncio é o eco da nossa existência e o som da nossa não existência.
Com o tempo, o tempo da normalidade voltou. Assim o exige o presentismo e o frenesim do quotidiano alimentado pela roldana da rotina.
Mas a morte daquele jovem continua a fazer-nos pensar na vida para além da opressão do detalhe. O mistério prossegue."
Bagão Félix, in A Bola