sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

(E)ternamente Eusébio

"Foi a madrugada mais cruel da minha vida. Aquele telefonema acordou-me, não sei se sonhava, decerto almejava. 'Passa-se qualquer coisa de grave com a Eusébio, a informação é segura'. foi o meu despertar. Ainda não batiam as sete, impunha-se ligar à Flora. Do outro lado da linha, a Sandra, filha mais nova, com um lacónico e molhado 'o pai faleceu', amarrotou-me emocionalmente. Houve ali raiva, fúria, danação.
Acordei Portugal, acordei o Mundo. O Eusébio partiu. Ainda em estado de choque, pensamentos em turbilhão. Acordei o Simões, acordei o Toni, precisava de mimo, de conforto, de partilha. Liguei ao Luís Filipe Vieira, não tardou a responder, senti-lhe lágrimas a embargarem uma voz irresoluta.
Espreitei, de forma veneranda, um texto que havia escrito. 'Era hipnose, era rajada, era batuta, era sedução'. Era, era mesmo. Era passado, era o que eu não queria que fosse. O passado teve presente, o passado passava a ter só passado.
Foram vinte anos de convívio quase quotidiano. Muitas estórias, muitas confissões, muitas cumplicidades. Tantos momentos de aprazimento, de júbilo, de ledice. Outros de malogro, de angústia, de frustrações, mas sempre em sintonia. Centenas e centenas de refeições em conjunto, centenas e centenas de viagens curtas ou longas, centenas e centenas de telefonemas. Só sabia, só sei de memória o número de Eusébio. Aqueles nove dígitos, vezes muitas, quando discados, valiam emoção, alvoroço, sentimento. Também amor.
O meu ídolo de infância despediu-se. Horas antes, não tantas, havia-me ligado a marcar um almoço na Tia Matilde. Um desejo do Eusébio estabelecia imperativo, ditame. Padrinho de um dos meus casamentos, celebrado no Minho, percebia-lhe carisma, mais ainda carisma magnético. Ter sido seu biógrafo constitui a honra suprema da minha vida profissional e da aptitude pela causa bonita da bola.
Agora, agora mesmo, acabo de receber um texto de Cristiano Ronaldo. 'Eusébio é um figura emblemática, não só de todo um País, mas também do Futebol mundial, com quem tive a felicidade, honra e prazer de conviver; é uma referência e uma lenda que perdurará para a eternidade'. Há dois anos, quando atingiu a condição de septuagenário, organizei-lhe uma festa, na sua Luz, tal como havia feito em ocasiões anteriores. Disse 'Eusébio tem setenta anos? É porque está ainda mais próximo da imortalidade'. Estava mesmo. Agora, como nenhum outro, como nenhum jamais, diviniza a mais portuguesa das palavras, a palavra saudade."

João Malheiro, in O Benfica

A encomenda

"A “estrutura perfeita” perdeu no Estádio da Luz e viu os cinco pontos de vantagem que lhe garantia loas ao plantel e encómios ao líder da fina ironia transformarem-se em três de atraso para o Benfica.
A “estrutura perfeita” reagiu insurgindo-se contra o árbitro, Artur Soares Dias. O mesmo Soares Dias que herdou o apito e consolidou carreira sempre na sombra da Torre das Antas. Ao culpar o dito Soares Dias, a “estrutura perfeita” limpou a imagem do seu treinador, Paulo Fonseca. O mesmo Paulo Fonseca que herdou o cargo e consolidou a carreira na sombra da última jornada do campeonato transacto. Ao culpar o dito Soares Dias, a “estrutura perfeita” desculpabilizou-se de ter substituído James e Moutinho por Licá e Josué. Mas a “estrutura perfeita” foi mais longe e exigiu a nomeação do amigo Proença para as próximas contendas com o Glorioso. A tradição ainda é o que era e desde Garrido que há sempre um Proença a ser desejado e “nomeado” para participar e contribuir para a festança. Assim, com uma “nomeação” tão atempada como avisada, não admira que a “estrutura perfeita” tenha um treinador a garantir que festejará na última jornada do campeonato. Aliás, diga-se que esse treinador, apesar da curta carreira, já tem alguma experiência em garantir campeonatos na derradeira jornada. E é assim que a “estrutura perfeita” garantia há uns meses que só os estúpidos é que falavam de arbitragem e que agora, falando de arbitragens, não só deixaram de ser estúpidos como encomendam os foguetes para jornada final. Faltou-lhes apenas dizer que a culpa da derrota na Luz se deveu ao facto de terem jogado à tarde, quando a tradição os habituara a jogar no calor da noite. Mas, garantidamente, a “estrutura perfeita” valer-se-á, também, do retomar dessa tradição."

Pedro F. Ferreira, in O Benfica

Um abraço a António Veloso

"Arséne Wenger, treinador do Arsenal, disse ontem: «Sinto-me culpado por não ter ninguém para anunciar». Há uma ilusão de que comparando se fica mais forte. Wenger sublinha que só vale a pena comprar se aumentar a qualidade. Por cá, os adeptos do Benfica esperam apenas não vender... muito. Matic faz falta mas foi bem vendido, Ola John foi bem emprestado, mas o que se lê na imprensa é aterrador. Os jornais já nos venderam meio plantel. A nossa esperança está no facto de a maioria das notícias, normalmente, não serem verdadeiras. Sendo aborrecido para os jornalistas, seria, neste caso, simpático para os adeptos do Benfica.
O Benfica cumpriu bem frente ao Marítimo e iniciou uma contagem decrescente sem grande margem de erro. Faltam 14 jogos para o sonho do Campeonato, dois (o de amanhã não conta) para o sonho da Taça da Liga e quatro para o sonho da Taça de Portugal. José Mourinho, numa Gala de Jornalistas em Inglaterra, orgulhou-se de respeitar as Taças (de Inglaterra e da Liga), colocando as melhores equipas para as tentar vencer. É também pelo tamanho da ambição que Mourinho é dos melhores de sempre, por cá passou despercebido. Foi pena, estamos a desperdiçar lições.
Esta semana fica marcada por uma série de reportagens televisivas, na SIC, onde se mostra as dificuldades que atingiram o estrelato. Impressiona por esse auge ter tido relativamente perto no tempo, e pela dimensão dos jogadores em causa. Ver o nosso capitão António Veloso naquelas circunstâncias foi, para mim, doloroso. Era dos meus jogadores preferidos de juventude. Pela entrega e pelo respeito com que tratou a nossa braçadeira merece aqui o meu abraço. Festejei muitos títulos que António Veloso nos ajudou a conquistar, e festejarei muito em breve quando ele ultrapassar esta fase, como sempre, à campeão."

Sílvio Cervan, in A Bola