quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Questão de higiene

"1. O arrazoado do Madaleno e do seu empregado seria de um comicidade extrema não fora esconder o objectivo sinistro de condicionar os árbitros. Num Futebol minimamente decente, tais manobras valeriam castigos pesados, suspensões ou multas pecuniárias. No futebolzinho à beira-mar plantado, há intocáveis. Gente impune e inimputável. Esqueçam o sentido pejorativo das palavras: para eles contêm virtudes. Para nós, que já tivemos tempo para nos cansarmos de tão bacocas diatribes, resta-nos paciência. Um dia o tempo, esse grande escultor, varrerá o lixo para os confins da memória.

2. Cada um encarou a morte de Eusébio da forma mais íntima ou menos íntima que soube. Descobrimos que ele tinha um amigo em cada esquina, mesmo que não o soubesse em vida. Todos o viram jogar, e ele não desmentiu ninguém porque não era capaz disso. Outros, como dizia Nelson Rodrigues, até foram capazes de assobiar um minuto de silêncio, o que é revelador da educação que lhes deram. Finalmente, houve quem primasse pela ausência. Por vergonha? Por decoro? Seja como for, é preciso sublinhar que tais ausências tiveram um mérito: foram profundamente higiénicas!"

Afonso de Melo, in O Benfica

O teste das 100 horas e o teste das 5437 horas

"Paulo Fonseca está há 5437 horas e silêncio à espera que jornalistas, comentadores e outros sacripantas tenham a coragem e opinem sobre o 'penalty' no Paços- Porto da última época.

MATIC não foi a única baixa na equipa do Benfica que cumpriu na tarde de domingo o seu jogo com o Marítimo. Considere-se a constituição da equipa titular no arranque da temporada corrente e logo se verá que, para além da ausência sem regresso de Matic, o Benfica venceu o Marítimo não dispondo dos contributos de outros elementos sonantes e teoricamente indispensáveis em Agosto.
Tais como Salvio e Cardozo, afastados há muito tempo por questões de saúde, e até tal como Artur, a quem poucos vaticinariam uma transição relâmpago para o banco assim que o jovem Oblak entrou em acção por obra de um acaso.
O guarda-redes esloveno ainda não sofreu um golo, registo que apraz registar, mas, mais cedo ou mais tarde, vai-lhe acontecer uma coisa dessas, tão natural afinal tratando-se de futebol. Seria bom que os adeptos do Benfica se preparassem para essa eventualidade. Oblak não é imbatível. Aliás, ninguém é imbatível.
E seria bom que Oblak se preparasse e se defendesse de outra eventualidade que funcionará sempre contra si: a do endeusamento precoce, chamemos-lhe assim, esse disparate tão comum num emblema que, por norma, não aposta de caras na juventude, muito menos, na excessiva juventude num posto da maior importância.
Sem menosprezo por Artur, confesso que me encanta ver Oblak a guardar a baliza do Benfica. Estou preparada para não mudar de opinião no inevitável momento em que o rapaz sofrer um golo. Não estou, no entanto, preparada para o ver ser vendido até ao final do mês. Mas isso não vai acontecer.

FOI um teste, disse Paulo Fonseca. Justificava, assim, em conferência de imprensa as 100 horas de silêncio a que se impôs depois do clássico da Luz. O presidente do clube veio corroborar a afirmação do treinador. 
Assim que terminou o jogo, ainda no balneário, ambos, treinador e presidente, afinaram uma originalíssima estratégia de silêncio sobre o trabalho do árbitro Artur Soares Dias no intuito de testar a honestidade dos jornalistas e dos comentadores.
- Vamos lá ver se os sacripantas têm coragem de chamar os nomes todos ao árbitro! – era este, basicamente, o teste.
Esgotadas as 100 horas de piedoso silêncio, presidente e treinador vieram a público e concluíram em prol da sagacidade de mais uma estratégia genial.
Os jornalistas e comentadores não tiveram, de facto, coragem física e intelectual para denunciar o frete feito ao Benfica pelo árbitro do Porto.
Grande espanto? Pois se é esta a história do futebol português nas últimas três décadas…
Concluído o teste e com o resultado admirável já exposto, a discussão passou a centrar-se num pormenor não menos interessante. De quem foi a ideia do teste? Do presidente ou do treinador? Quem se lembrou de esperar 100 horas para protestar contra penaltis perdoados ao adversário num jogo de tamanha importância?
De um modo geral, as opiniões nem sequer se dividem, como se costuma dizer. Presidente é presidente e com tantos anos na função, sendo considerado mais inteligente do que todos os presidentes adversários já nascidos ou por nascer, a ideia do teste só poderia ter sido de Pinto da Costa.
Atrevo-me, no entanto, a discordar da maioria esmagadora.
A ideia foi de Paulo Fonseca.
Aliás é uma velha prática do novo treinador do FC Porto. Tão velha que já vem dos tempos em que era treinador do Paços de Ferreira. O actual treinador do FC Porto está, por exemplo, há 5437 horas em silêncio – o mais longevo dos testes ainda em curso – à espera que os jornalistas, os comentadores e outros sacripantas tenham coragem para opinar sobre aquela grande penalidade assinalada pelo árbitro Hugo Miguel no escaldante Paços de Ferreira-FC Porto que encerrou a última Liga e consagrou a equipa visitante como campeã nacional.
Nem uma palavrinha pronunciou o então treinador do Paços de Ferreira sobre o lance ocorrido a uns belos metros da entrada da área pacense e que resultaria no castigo máximo com que os eternos campeões abririam o marcador.
5437 horas non-stop de teste, que valentia, senhores!

O Benfica chegou ao cabo da primeira volta do campeonato na liderança isolada da tabela o que é absolutamente assombroso tendo em conta que transportou do fim da época passada para o início desta época um conjunto de fantasmas, de irresoluções e de traumas capazes de sepultar qualquer tipo de sonhos de grandeza. E facto assombroso tendo também em conta que, por altura do São Martinho, o mesmo Benfica levava já 5 pontos de atraso em relação ao sempre eterno campeão FC Porto.
Posto isto, é contra toda a lógica a liderança do Benfica a meio da prova. É por causa destas coisas, surpreendentes, que o futebol arrasta multidões.
Parte para a segunda volta o Benfica depois de ter vendido um dos seus melhores e mais influentes jogadores, o sérvio Matic, e contando que até ao final do mês outros jogadores, igualmente de enorme categoria e peso na equipa, podem também sair para outros clubes.
Posto isto, se o Benfica chegar ao fim da segunda volta do campeonato na posição em que terminou a primeira volta, tratar-se-á de um caso imensamente original e digno de estudo.

O presidente do Sporting entregou às autoridades competentes um projecto de alteração de normas e preceitos que regem as competições oficiais no nosso país.
Bruno de Carvalho defende, por exemplo, «o sorteio puro» dos árbitros no lugar das nomeações em vigor. Concordo totalmente com o presidente do Sporting nesta questão.
Nomear árbitros implica uma política de nomeações e, quanto à política das nomeações, estamos conversados. O sorteio dos árbitros é democrático.

NÃO foi feliz Jorge Jesus quando referiu que os jovens da formação do Benfica teriam de «nascer dez vezes» para poderem substituir Matic. Depois emendou a mão sem se atrapalhar muito, o que foi positivo porque revelou respeito, ainda que tardio, pela tal miudagem do Benfica que vai marcando presença em todas as selecções jovens de Portugal.
Houve jogadores que reagiram publicamente às primeiras palavras do treinador da equipa principal em termos que muito me agradaram. E que só podem ter agradado também ao próprio Jorge Jesus. O que queremos nós afinal dos nossos atletas? Gente com personalidade, carácter, ambição. E disso, felizmente, parece que temos.

JUSTIFICA-SE uma longa conversa com Pinto da Costa no canal de televisão do clube e ela, a conversa, surgiu quando mais se esperava, ou seja no rescaldo da derrota do FC Porto na Luz.
Foi todo um discurso para o interior do FC Porto, do princípio ao fim. Um discurso entendido como necessário para dentro e com vários destinatários.
A defesa de Paulo Fonseca é questão interna. O ataque a Fernando Gomes, presidente da FPF, é questão interna. O ataque a António Oliveira é questão interna. O ataque a comentadores do FC Porto é questão interna. O ataque à venda de jogadores abaixo da cláusula de rescisão é questão interna e altamente controversa. O ataque a Artur Soares Dias é também questão interna.
Ou será que não é? Cada um tem o Pedro Proença que merece embora o próprio Pedro Proença tenha vindo dizer, e muito a propósito, que em Portugal ninguém merece os árbitros que tem.

PARA o campeonato nacional, conforme manda o calendário, Benfica e FC Porto voltam a encontrar-se na última jornada da prova. Quereria isto dizer que vamos ter sossego até Maio se não se desse a possibilidade real de os dois rivais poderem jogar um com o outro mais cinco vezes até ao fim da temporada.
Pode acontecer, não é certo, mas pode mesmo acontecer.
Pode acontecer que Benfica e FC Porto se voltem a encontrar na meia-final da Taça da Liga (isto se o FC Porto vencer o seu grupo), pode acontecer que Benfica e FC Porto se voltem a encontrar em duas mãos na meia-final da Taça de Portugal (isto, com todo o respeito, se o Benfica conseguir eliminar o Penafiel e se o FC Porto conseguir eliminar o Estoril) e até pode acontecer que se venham a encontrar lá mais para diante numa eliminatória da Liga Europa, competição em que estão ambos envolvidos.
Será que o país resistiria a mais seis clássicos até às férias grandes?
Duvido."

Leonor Pinhão, in A Bola

Ainda Eusébio

"Foi miserável a «homenagem» a Eusébio na gala da FIFA. Trinta escassos segundos delineados à pressa e sem vontade por Blatter/Platini. Um somítico momento que revela a falta de carácter de quem assim age ou lidera. Tivesse sido um jogador francês (e não só) e tudo o resto passaria para segundo plano. Revoltante!
Mas voltemos à magia universal do nosso Eusébio. Recordo aqui um momento por mim vivido. Em Março de 1998 estive na Bósnia e Herzegovina, integrado nas Comissões Justiça e Paz da Igreja Católica. Estava-se no rescaldo da sangrenta e dolorosa guerra civil. Ficámos em Banja Luka, segunda cidade do país. Sem hotéis, destruídos ou fechados pela guerra, cada um de nós foi recebido em casa de famílias católicas. Coube-me um humilde 6.º andar, sem elevador activo, de um casal com idades perto da minha (tinha então 49 anos).
Nos três dias que lá estive, só à noite os encontrava. Como não sabiam falar outra língua que não fosse o servo-croata, os nossos contactos eram praticamente gestuais. Numa das noites, quiseram oferecer-me um chá. Enquanto a mulher o fazia, tentei encontrar um modo de me exprimir que fosse entendível. Percebi que ele gostava de futebol. Falei-lhe então de Eusébio. De imediato, o meu anfitrião repetiu «Eusébio» e abraçou-me entusiástica e comovidamente. Uma língua universal e um esperanto ali nascido nos uniram, como se já não houvesse obstáculos linguísticos. O chá quente veio reforçar o calor dos nossos corações irmanados através de Eusébio. A mesma religião nos fez juntar e Eusébio nos fez comunicar com alegria universal.
É isto que aquele vil dueto desdenha e nunca perceberá."

Bagão Félix, in A Bola

À hora certa

"Sou do tempo em que as tardes de domingo eram sinónimo de futebol. A jornada começava integralmente às 15.00 horas, e terminava às 17.00 horas. No horário de Verão, acrescentava-se uma hora. À noite viam-se os resumos, já no conforto do lar, preparando uma semana de trabalho ou de escola, conforme o caso. A partir da década de noventa, as transmissões televisivas foram afastando o futebol do seu horário natural, afastando, com isso, o povo dos estádios.
Talvez fosse esse o intuito daqueles a quem convinha que a estrutura de receitas dos clubes ficasse cada vez mais dependente do cachet televisivo, tolhendo-lhes assim a capacidade negocial, numa relação de poder que se foi tornando cada vez mais assimétrica.
Ao passo que nas principais ligas europeias continuámos a ver as principais partidas disputadas à luz do dia, em Portugal quase todos os jogos foram progressivamente empurrados para horário nocturno - por vezes aos sábados, mas também aos domingos, e até às segunda-feiras. Lá fora, estádios cheios. Cá dentro, bancadas tristes e despidas. Lá fora, sustentabilidade financeira. Cá dentro, operadores televisivos ricos e clubes falidos.
No caso do Benfica, tratando-se de um emblema com implantação de norte a sul do país, parte significativa dos sócios e adeptos viu-se impedida de se deslocar à Luz. Para quem resida, por exemplo, em Viseu, Guarda, Bragança ou Faro, sair do estádio às 23.00 horas, e ainda ter de suportar uma longa viagem, não pode deixar de ser um exercício penoso, sobretudo se no dia seguinte houver que trabalhar bem cedo.
O regresso do futebol às tardes de domingo (ou de sábado) é pois uma excelente notícia que esta temporada trouxe aos benfiquistas. Principalmente àqueles que vivem fora de Lisboa, e para quem ao próprio jogo há que acrescentar a duração da viagem de regresso a casa.
Vicissitudes várias talvez ainda não tenham permitido que tal se reflicta com firmeza no número de espectadores no estádio. Mas o tempo irá seguramente dar razão a esta aposta."

Luís Fialho, in O Benfica