sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Com rumo e na rota

"O Benfica foi classificado como o 15.º mais valioso clube do mundo. Discordo. Se aplicassem os meus critérios chegariam à conclusão que era o mais valioso do mundo, ou pelo menos, do meu mundo. Mas prometo não me detalhar com os 14 emblemas, que transitoriamente ocupam os lugares cimeiros.
Assim temos o nosso humor natalício dependente da difícil deslocação a Setúbal. Tradicionalmente difícil, o Bonfim se ainda não é o cabo da Boa Esperança do nosso campeonato, é pelo menos o cabo Bojador.
A rota não continua igual se não se vencer em Setúbal. O caminho para o título não permite mais andar à deriva. Muito tempo fora da rota, cansa a tripulação, desmoraliza os marinheiros e aumenta o risco de naufrágio.
Sporting tem um adversário de dificuldade pequena, o FC Porto tem um opositor de dificuldade nula, por isso resta ao Benfica cumprir a sua parte.
Embora vencendo no Algarve, o Benfica ficou muito aquém daquilo que espero, desejo, e sei que são capazes de fazer. Gostei particularmente de ver jogadores a assumir que o jogo foi mal conseguido, e que apesar da vitória deviam ter jogado melhor.
Gostei de ver declarações de desagrado mesmo vencendo. Gosto quando sobe a exigência e a ambição, e quando baixa a justificação e as desculpas. Assim ficamos mais perto de conseguir alguma coisa de válido.
O sorteio da Liga Europa deu a Benfica e FC Porto boas (muitas) hipóteses de vencer a próxima eliminatória e poucas (menos) de vencer os oitavos de final. Para mim Nápoles e Tottenham são as duas equipas mais fortes em prova.
Um bom Natal e óptimas rabanadas para todos, que as minhas dependem, em boa parte, do Lima, Enzo e companhia logo à noite..."

Sílvio Cervan, in A Bola

Lesões e árbitros

"Numa jornada sem surpresas, vou falar de três situações estranhas. A primeira é a continuação das lesões no Benfica. Pergunto: o que seria do FC Porto sem Jackson Martínez ou do Sporting sem Montero? Pois Cardozo não joga há 4 jogos na Liga (e no início já não tinha alinhado em dois). Agora, até o guarda-redes se lesiona. Já não sei o que dizer.
A segunda situação é o castigo aplicado a Enzo Pérez. Que revela pouca inteligência de quem o decidiu. O que levou à suspensão foi um gesto do jogador contestando uma falta: “Esta foi roubada”, disse Pérez com a mão. Mas quantas vezes os jogadores contestam faltas, através de gestos (agitar os braços) ou de palavras (bem visíveis através do movimento dos lábios)? Ora, por que razão uns protestos dão suspensão e outros não? Porque Enzo foi mais “criativo” no gesto e usava luvas pretas? Não brinquemos.
A terceira situação é o penálti a favor do Sporting que desbloqueou o jogo com o Belenenses. Como explicá-lo? O árbitro auxiliar não deve ver jogos de futebol, pois lances daqueles acontecem às dezenas: o defesa e o avançado a correrem lado a lado, ombro com ombro, o avançado (que corre do lado de fora e portanto vai em desequilíbrio) a escorregar e cair.
Como todos viram, não houve qualquer falta. Mas, mesmo que houvesse, nem era fora da área – era fora do campo! Como pode o árbitro ter marcado penálti?
Gostava de fazer uma sugestão: quando ocorrem estes erros primários e incompreensíveis, o organismo dos árbitros deveria promover uma reunião entre o responsável pelo erro e um formador. Veriam o vídeo da jogada quantas vezes fossem precisas e o árbitro explicaria o porquê de ter assinalado a falta. Diria o que viu… ou “adivinhou”. E o formador assinalaria os erros de avaliação cometidos, e explicaria como proceder para não se repetirem. Julgo que esta pedagogia seria muito útil e faria bem à arbitragem.
É que há erros dos árbitros que nós percebemos: um fora-de-jogo milimétrico, uma mão na bola que passou em claro. Mas pode um árbitro ver algo que nunca existiu? Para esse tipo de erros é que os árbitros têm de ser alertados."

António Simões

"Nunca vi jogar o Simões. Tenho do Simões uma memória construída no imaginário das mil e uma histórias que dele sempre ouvi contar pela geração dos meus pais, a geração do Simões. Aquela geração dos que, do alto da autoridade dos seus 70 anos, olham para os miúdos de 40 com a incompreensão de quem nos ouve falar do Benfica sem termos visto o Eusébio, o Zé Águas, o Germano ou o Simões. Como é que eu poderei algum dia expressar o quanto devo (devemos) ao Simões, se nunca o vi jogar? 
Como é que poderei algum dia explicar que o primeiro e mais duradouro imaginário que construí do Benfica é mítico exactamente porque se baseia na narrativa de heróis míticos?
Terá o Simões a noção de que ele surgia nas narrativas do cimentar do meu benfiquismo no mesmo patamar em que Gama ou Ulisses surgem como semente de impérios sonhados pelos épicos de outrora?
O Simões será sempre o protótipo do pequeno que se fez gigante pela esquerda do campo, pela esquerda da vida, desafiando defesas e ultrapassando adversários no campo com a mesma ousadia com que, fora dele, desafiava as injustiças pela força do verbo e do exemplo.
Dizem que está a comemorar 70 anos. No meu imaginário, o Simões já não tem idade, porque a lenda quando escorre para a realidade deixa de ter idade, passa para o patamar da intemporalidade. Sabemo-lo o mais jovem benfiquista a ser sagrado campeão europeu. Já nesses tempos tinha a marca dos heróis, dos que perduram para além da ditadura dos anos."

Pedro F. Ferreira, in O Benfica