sexta-feira, 31 de maio de 2013

Desilusão

"Há três semanas, sem exagero, poderia falar-se de uma temporada de fantasia, viva-se na antecâmara de três conquistas, algo que poderia traduzir-se numa das épocas mais conseguidas do historial centenário do Clube, seguramente a melhor das últimas décadas. De repente, contornos atrozes e cruéis à mistura, tudo se desmoronou. Foi um desaire? Foram dois desaires? Foram mesmo três desaires, situação tão anómala quanto imprevista.
Até Maio houve um grande Benfica, a melhor equipa nacional, capaz de se exibir de forma incisiva, convincente, sedutora mesmo. Em Portugal? Em Portugal e na Europa. Ainda assim, os jogadores capricharam (a final perdida da Liga Europa é um exemplo concludente), o técnico manteve um discurso optimista e foi inexcedível na preparação dos embates, o presidente e seus pares não se pouparam a esforços, os adeptos revelaram-se magníficos.
Frente ao Vitória de Guimarães, no Jamor, o colectivo titubeou. Como é possível não ter feito um único remate na metade complementar? Claro que o subconsciente dos atletas, amarrotado pelos mais recentes insucessos, teve influência no défice de discernimento, de convicção, de apego.
Ainda assim, esperava-se mais, muito mais, de um Benfica capaz de fechar o ano com um triunfo que não serviria para mitigar algumas frustrações, mas poderia devolver uma dose razoável de auto-estima ao universo rubro.
No rescaldo da derrota, debaixo de um clima emocional impróprio, ouviram-se considerações que não dignificam a grande instituição que somos. Muitos dos partidários de aplausos recentes enveredaram pelos assobios e até exigências desvairadas. Dir-se-á que são contingências naturais. Mas importa também que se diga que este é um Benfica de liderança forte, insusceptível de ser governado ao sabor dos acontecimentos por mais dolorosos que possam ser."

João Malheiro, in O Benfica

Tristeza e vergonha

"Esta  é das crónicas mais difíceis de escrever em toda a minha colaboração com A BOLA. Diziam os romanos que dos mortos só se fala quando se pode dizer bem. Ora que querem que diga do meu Benfica na final da Taça? Mal, muito mal ou péssimo? Exibição confrangedora que retira qualquer direito moral de censurar uma arbitragem miserável.
O Benfica não tem desculpas para a derrota na Taça de Portugal. Culpas próprias e várias. Recuso-me a negar a evidência. Saí envergonhado do Jamor. (todos os parabéns ao Vitória de Guimarães) Triste pelo resultado e envergonhado pela exibição.
Numa altura de catarse colectiva, saibamos encontrar a força (eu estou com dificuldade) de chegar ainda mais fortes ao início da próxima época. Tenho a angústia, que a época não comece amanhã. Escrever a história apenas com base num desaire é como adivinhar os números do euromilhões no dia seguinte. Mas como os versos de Pablo Neruda, o amor é um espinho de incertezas, e eu fui consolado à saída do Jamor por um miúdo de cerca de 12 anos, que, sentindo a minha tristeza, me abraçou espontaneamente e me disse cantando: «Devemos ser loucos da cabeça / Amamos o Benfica com certeza.» Não sei como se chama, temos até não o reconhecer se o voltar a ver, mas percebi que ele é como eu era aos 12 anos, e eu sou como ele será quando passar os 40, e ambos seremos como o avô que o segurava pela mão se chegarmos aos 70. Por isso, eu como ele, sabemos que só assim vale a pena viver esta paixão saudavelmente doentia. Por isso desconsidero quem esta semana me perguntou se estava tudo bem, e não esqueço quem esta semana me tratou da alma. Na vida detesto o mais ou menos e o tanto faz.
Parabéns ao basquetebol encarnado, que repetiu em Coimbra este ano, o título de campeão nacional que já tinha conseguido no Dragão no último ano."

Sílvio Cervan, in A Bola

Independentemente do vento

"Escrevo estas linhas num momento em que muitos muito discutem se o Benfica deve ou não alterar a liderança do seu futebol.
No mês passado “exigia-se” ao presidente do Benfica que renovasse com o treinador que nos conduzia a uma final da Liga Europa, uma final da Taça e a uma expectável vitória no Campeonato. O Campeonato foi-se num minuto 92 feito de azar e desconcentração. A Liga Europa foi-se num minuto 93 feito de injustiça e revolta. A Taça foi-se em 90 segundos de total absurdo competitivo por parte de alguns dos atletas que mais batalharam ao longo do ano. Ou seja, ficámos, amargamente, no frustrante “quase”. E de “quase” se têm feito muitos discursos de ‘especialistas’ em futebol e em construções de teorias absolutas em torno do momento relativo em que uma bola vai ao poste e, por um mero acaso, sai ou entra. De “quase” se têm feito as convicções de muitos dos que exigem agora que lhes tragam na bandeja a mesma cabeça que há uns dias se preparavam para coroar. Muitos procuram agora mitigar a sede de vitórias com o sangue de uma injusta vingança. Eu acredito hoje, terça-feira, nos mesmos em quem confiava no Domingo, antes da final da Taça. As convicções não mudam ao sabor do vento e as decisões de quem lidera os destinos do Benfica não podem mudar ao sabor dos insultos de circunstância de quem acredita que pode, pela ameaça, impor a sua vontade, feita de emoção, às decisões que se exigem racionais, frias e alheias a chinfrineiras.
Não sei, no momento em que escrevo estas linhas, qual será a decisão tomada relativamente ao futuro do treinador do Benfica, mas sei que, desde a final da Taça, não me saem da memória as seguintes palavras de Torga: «Queima-se ou crucifica-se primeiro o herói ou o santo, joga-se aos dados a sua túnica, e, quando dele não resta nem a sombra das cinzas, aparece um centurião qualquer a dizer: “Verdadeiramente este homem era filho de Deus”»."

Pedro F. Ferreira, in O Benfica