terça-feira, 9 de abril de 2013

Em Cádis, com rabos e orelhas!

"Em 1963, sob o comando de Lajos Czeizler, o Benfica vence pela primeira vez o Troféu Ramon Carranza, o «Trofeo de los trofeos»... Barcelona e Fiorentina caem aos pés de uma equipa ávida de golos (Dez em dois jogos!!!).

AINDA há pouco tempo falámos aqui de Lajos Czeizler, treinador breve (apenas uma época) de um. Benfica que marcava golos aos pontapés. Pois hoje falamos desse Benfica de Lajos Czeizler e de mais golos aos pontapés.
Foi um dos primeiros desafios do treinador húngaro: a disputa do Troféu Ramon Carranza, em Agosto de 1963.
Ramon Carranza: os espanhóis chamam-lhe «Trofeo de los trofeos». Disputa-se em Cádis, no Verão, como os mais famosos torneios espanhóis de pré-época, os «veraniegos». Disputa-se desde 1955. Falaremos aqui dele em pormenor uma destas semanas.
Em 1963, o Benfica participou no Troféu Ramon Carranza pela primeira vez. Antes dele, tinham participado o Atlético (1955) e o Belenenses (1957). O Benfica voltaria a Cádis em 1964, 1965, 1971 e 1972. Em cinco presenças conquistou duas taças volumosas. Depois pouca a pouco, o Ramon Carranza viria a perder importância.
Mas em 1963, o Ramon Carranza estava no auge da sua importância. Além do Benfica, estavam em Cádis o Barcelona, o Valência e a Fiorentina.
Como geralmente acontecia, os espanhóis preparavam uma final o mais caseira possível  E assim, nas meias-finais, Valência e Fiorentina foram encaixados de um lado enquanto Barcelona e Benfica se encaixaram no outro. A ideia podia ser boa mas saiu frustrada. Empatados (1-1) ao fim de 90 minutos, Valência e Fiorentina seguiram para um prolongamento que firmou a vitória dos italianos (3-2).
Por seu lado, portugueses e catalães reeditaram a final da Taça dos Clubes Campeões Europeus de Berna. Até no resultado (3-2). Aos 26 minutos, o Benfica chegava à vantagem, por Serafim. Já na segunda parte (49'), Ré, que substituíra Vicente, fez o empate. Não se esperou mais de um minuto para que Yaúca desse nova vantagem ao Benfica.  Zaldúa, aos 66 minutos, volta a empatar para Serafim (81') decidir do jogo e atirar o Benfica para a final.
Para que se comparem os «teams», eis o registo:
BENFICA - Rita; Cavém, Raul e Cruz; Coluna e Humberto; Yaúca, Eusébio, Santana, Serafim e Simões.
BARCELONA - Pesudo; Foncho, Olivella e Eladio; Segarra e Garay; Zaballa, Pereda, Zaldúa, Kocsis (depois Goywaerts) e Vicente (depois Ré).
Mas o melhor estava para vir.

O súbito destroçar da Fiorentina
DEPOIS de o Barcelona ter despachado (4-1) o Valência no jogo de atribuição do terceiro e quarto lugares, a grande final foi ainda mais vibrante do que prometia.
O Benfica entrou em campo com: Rita; Cavém, Raul e Cruz; Coluna e Humberto; José Augusto, Eusébio, Santana, Serafim e Yaúca.
E a Fiorentina: Albertosi; Rubosi, Conciantoni e Castelletti; Guarnesi e Marchesi; Hamrin, Lojacono, Seminário, Maschi e Partu.
Juan Seminário, «El Loco», um fantástico avançado peruano, já havia jogado em Portugal, no Sporting, e não tardaria a ser transferido para o Barcelona.
Esperava-se um jogo de qualidade entre duas equipas com pergaminhos, mas ele até começou lento, sem grande entusiasmo. Depois explodiu.
Hamrin pôs os italianos em vantagem aos 31 minutos. Sobre o intervalo, Santana lesionou-se e deu lugar a José Torres. E o gigante não tardaria a tomar conta dos acontecimentos. Mal saído das cabinas, aos 46 minutos, fez o golo do empate. Agora o desafio era combativo, excitante. Serafim faz 2-1 (72'), mas Locajano empata três minutos depois. Depois é de novo Hamrin a fazer o 3-2, logo no minuto seguinte. Não há aflição do lado benfiquista: Torres está lá a faz o 3-3.
Segue-se para o prolongamento. A Fiorentina não resiste à cavalgada dos 'encarnados'. O lilás pálido de Florença fica destroçado com os golos de Torres(2), Eusébio e Yaúca. A superioridade portuguesa é de tal ordem que o resultado poderia ter sido mais pesado. Sete-a-três! O Benfica sai de Cádis em ombros, como diriam os aficionados da festa brava, com rabos e orelhas. É a sua primeira vitória no Troféu Ramon Carranza. Voltaria mais vezes. É esse o destino dos vencedores.
E repetiria a vitória. Em 1971. Mas é outra vitória..."

Afonso de Melo, in O Benfica

Doping regulamentar

"A verdade desportiva ficou ameaçada no sábado pela decisão da Liga de alterar as regras a cinco jornadas do fim.
Equipas que estão na iminência de descer de divisão, como ditam os regulamentos, assumem já a perspectiva de passarem por cima de uma temporada desastrada, ou apenas infeliz. A mudança das regras a meio do jogo é um sacrilégio para qualquer actividade e especialmente grave no que respeita aos princípios desportivos, tão inaceitável como o doping fisiológico. Os clubes que vencerem a derradeira etapa com este acréscimo de energia estão para o campeonato como os ciclistas que tomam doping para o último sprint. Estão a violar a verdade desportiva."

Um passeio, quem diria!

"Afinal, em Olhão, não mandam os que lá estão.
É verdade que tal princípio se aplica às gentes para lá do Marão, mas não ficaria mal a versão sulista, que não necessariamente elitista e liberal. Mas este Olhanense, afogado em problemas mil, que até já ameaçou não comparecer aos seus compromissos, não parece estar à altura de uma resposta capaz, muito menos quando, pela frente, se lhe depara um adversário do estofo deste Benfica, que atravessa um momento de forma exuberante e não larga os olhos do título.
Para este jogo, a principal novidade nos encarnados residiu na adaptação do habitual lateral direito, André Almeida, na faixa contrária, suprindo assim a ausência do castigado Melgarejo, o que diz bem da confiança que nele deposita o técnico Jesus. No resto, os "suspeitos do costume", com Ola John e Cardozo, desta vez, a ficarem no banco. Um muito versátil 4.1.3.2, que, desde cedo, tomou contas das operações e tratou de pressionar o adversário, já de si pouco dado a aventuras.
De facto, a formação algarvia, ciente do poderio do antagonista, apresentou-se muito defensiva e apenas com Targino com características mais atacantes, quando no banco contava com Djaniny e Djalmir, para não falar de Leandro ou Ivanildo. A palavra de ordem era aguentar e o certo é que o Olhanense foi cumprindo o plano, embora fossem visíveis os fracos argumentos de que dispunha. Valeu, na altura, a atenção de Bracali e algum espírito perdulário da dupla Rodrigo-Lima.
Era, contudo, evidente que esta situação dificilmente se eternizaria. Para a 2ª parte, Cajuda manteve o figurino à espera de um milagre, mas o Benfica não embarcou em devoções e, claro, chegou mesmo à vantagem, por Salvio (52'), num remate cruzado e certeiro. Obrigado a rectificar, o técnico de Olhão lá se decidiu a apostar em David Silva e Leandro, sem que daí surgisse qualquer notícia. E nem o facto de ambos se integrarem na sua linha mais adiantada fez deles avançados que se vissem, uma vez que todo o conjunto da casa primou sempre por um posicionamento pouco afoito no terreno.
O 2-0 (Matic,64') acabou mesmo com as dúvidas, que, a bem dizer, nunca as houve e aí, sim, pôde o Benfica iniciar a gestão do plantel, fazendo descansar quem mais necessitava, tendo em conta o próximo compromisso europeu. Uma vitória por certo mais fácil do que se aguardava e mais curta do que poderia ter sido. O Benfica está irresistível, mas também não era motivo para um Olhanense tão ausente."

A galinha

"O Azeiteiro-da-Cabeça-d'Unto foi à gala. Vendo bem não se tratou propriamente de uma gala. Foi, por assim dizer, uma gala mais pequenina. Uma galinha, portanto. E o Azeiteiro lá estava, circunspecto, bem untado, a cabeça brilhando mas não por dentro, por fora. Não exibia o sorriso velhaco de outras circunstâncias. Talvez por se ver sentado na segunda fila, logo ele que gosta de estar no palco e de dar nas vistas. A primeira fila estava reservada para o Madaleno e para os seus cães. Cães-de-fila. Cães-de-primeira-fila. Uns besuntavam-lhe as mãos com a saliva inquinada dos amestrados; outros lambiam-lhe as botas com a estúpida eficiência dos invertebrados. E o Madaleno troçava, canalha, daqueles que, serviçais, dobram a cerviz à sua passagem. Parece que houve homenagens, mas como reconhecê-las no meio de tanta porcaria?
Entre a homenagem e a sabujice a distância é curta. E a memória também. Mas fizeram questão de nos avivar memórias não assim tão distantes: prostitutas e prostitutos, mariscos e marisqueiras, viagens intercontinentais, convites para camarotes dirigidos a respeitáveis membros da podre magistratura, perseguições, espancamentos, apedrejamentos, atropelamentos. Animada, a turba bateu palmas. É disso que gostam, sem isso não sabem viver. Contente, a cáfila babou-se de baba pestilenta. Sórdido, o Madaleno adormeceu cansado de tanta subserviência. O Azeiteiro-da-Cabeça-d'Unto foi ignorado. Ali era apenas mais um obnóxio que não dava jeito. Terá tempo para retribuir o convite para a galinha. E já não falta muito...
P.S.- O Senhor-de-Cócoras disse: «Os árbitros estão prontos para a fase final do Campeonato». Pelo menos um tal de Rui Costa já vimos que está."

Afonso de Melo, in O Benfica

Cumplicidades

"Podemos acusar a Associação de Futebol do Porto de muita coisa. Podemos lembrar-nos de tudo o que aconteceu no dramático consulado de Lourenço Pinto no Conselho de Arbitragem da FPF. Podemos recordar Escutas telefónicas e fugas para a Galiza com avisos prévios. Mas há algo que todos temos de reconhecer àquela gente: a gratidão para com quem lhes presta bons serviços. Aliás já vimos disto em filmes.
À Gala promovida pela referida Associação, e pelo seu sinistro presidente, não faltou ninguém. E, na maioria dos casos, não se pode dizer que não merecessem o convite. Falo, por exemplo, do impagável Pedro Proença.
Devo fazer, porém, um pequeno reparo. Achei algo injusto o lugar que lhe foi destinado na sala. O treinador André Villas-Boas, que deu somente um Campeonato Nacional ao FC Porto, tinha assento reservado na primeira fila, bem próximo de Pinto da Costa.
Enquanto isso, o árbitro da brilhantina, que, com idêntico zelo, ofereceu, pelo menos, dois Campeonatos ao FC Porto - e nunca percebi se é o FC Porto o filiado na AF Porto, ou se, pelo contrário, é esta a funcionar como um mero departamento do clube -, ficava-se por uma modesta segunda linha, bem atrás daquilo que o seu protagonismo sempre fez por justificar. Pormenores à parte, há que dizer que o homem estava em família, e rodeado pela sua gente.
Não sei de, desta vez, houve lugar a prémios. Mais uma medalha, não lhe ficaria nada mal, embora fossem necessários muitos e muitos troféus para premiar todas e cada uma das ocasiões em que o jiz lisboeta ajudou os seus amigos.
Também desconheço quanto vale, nesta sombria contabilidade, uma final da Liga dos Campeões, e uma final de um Europeu. Saldo para um lado, ou saldo para o outro, o certo é que tanto a coluna do crédito, como a do débito, parecem neste caso muito bem preenchidas. Entre galas, relvados portugueses e nomeações internacionais, veremos como decorrem os próximos episódios desta saga, algures entre o romance e o 'film noir'."

Luís Fialho, in O Benfica