quarta-feira, 13 de março de 2013
Fartura em tempo de crise
"Benfica aliou à exibição uma tremenda eficácia (5-0).
Neste ciclo infernal em que os jogos do Campeonato e taças alternam com os da Europa, como acontece com o Benfica, as atenções estão especialmente viradas para a´"saúde" da equipa e para a forma como esta poderá aguentar ou não os frequentes testes que se lhe apresentam sem descarrilar de forma comprometedora. Daí a gestão dos activos a que o técnico, bastas vezes, se vê obrigado a recorrer de forma a garantir o "roulement" e consequente poupança de energias.
Depois do Bordéus e antes dele também, os encarnados tiveram novo exame, frente ao Gil Vicente, e pode dizer-se que passaram com distinção. Mesmo com um jogo da UEFA no horizonte, a equipa não regateou esforços e goleou, o que começa a ser coisa de antanho, tão frugais andam os sectores atacantes. Jesus também entendeu não facilitar um pouco que fosse e escalou o melhor onze possível.
Se Jardel surgiu de início, isso ficou a dever-se a lesão sobre a hora de Luisão, cuja ausência se deverá repetir em Bordéus e, aí sim, é capaz de ser muito mais sentida. No resto, tudo igual, com Salvio, Enzo e Ola John no miolo e Cardozo e Lima nas posições mais adiantadas. Para tentar equilibrar as contas, o Gil privilegiou o seu meio-campo, procurando a superioridade numérica nesse sector.
Nesse sentido, a equipa gilista apostou na capacidade de Luis Manuel, Vilela e André Cunha na zona central, em detrimento do ataque, entregue a Hugo Vieira e às suas muito desapoiadas deambulações. Mas as intenções de Paulo Alves sairam furadas, pois se a sua equipa foi a primeira a dar um ar da sua graça, a verdade é que a inspiração encarnada foi determinante. Nada menos de três golos (Maxi, Salvio e Melgarejo), na primeira meia hora de jogo.
Mas o que mais galvanizou a plateia da Luz, para lá das conclusões vitoriosas (e logo dos dois laterais), foi a forma superior como os lances foram fabricados e a interacção revelada pelos seus intérpretes. Desde o passe de Enzo à solicitação de Ola John. Perante tamanha vitalidade exibicional, até o ressalto que esteve na génese do golo com que o Benfica abriu a contagem, passou rapidamente ao esquecimento.
Na 2ª parte, a toada ofensiva esfriou naturalmente um pouco, dado o avanço já assegurado e a sobrecarregada agenda do Benfica a pesar no subconsciente de todos. Aproveitou o Gil Vicente, que, já no 1º tempo, não se limitara apenas a jogar lá atrás e, por duas vezes, incomodara Artur, para voltar a importunar, com um remate de Luis Martins, a levar, contudo, a bola à barra.
A diferença na eficácia ficou à vista, pouco depois, com o Benfica a elevar para 4-0 (Lima, 65'), uma marca que, sem pôr em causa o mérito dos da casa, constituía severo castigo a quem ela demandava. Jorge Jesus entrou então na fase de descompressão e das mais do que justificadas substituições. Entraram Aimar, Gaitán e, já perto do fim, Carlos Martins e o Benfica ainda foi a tempo da "chapa-5", por Gaitán, a passe de Salvio, mas com o génio de Aimar, a quem pertenceu a iniciativa, a abrilhantar o bem estruturado lance.
Para quem tinha dúvidas da capacidade de concretização do Benfica, sobretudo depois do magro e perigoso 1-0 com o Bordéus, que tanto assobio fez arrancar dos adeptos, aí está a concludente resposta."
Ética e sinalética
"Um diálogo de surdos sobre ética e seus aparentados, no rescaldo de um jogo de futebol.
- O futebol precisa de mais ética, não achas?
- Está cheio dela, não entendes?
- Não brinques. Há um défice de ética, apesar de aquela pérola sem ética Platini falar sempre do primado da ética...
- Se bem entendo, a ética tem vindo a impor-se nos jogos na razão directa do seu risco. Por exemplo com mais bilhética e mais sinalética!
- Paleio da moda! Sobre a sinalética dos árbitros tenho uma dúvida: trata-se da ética do sinal ou do sinal da ética?
- Não troces...
- E não falaste da catequética nos balneários para tirar partido da sinergética.
- Às vezes quase profética.
- E amiúde hermética se escutada fora do jargão da bola.
- Por falar em ética, cada vez mais vejo que, na estepe russa pós-soviética, o relvado é de origem sintética.
- Por causa da genética. E, se calhar, da cibernética.
- Deixa-te de lérias. Costuma-se dizer que na política, o que parece é. Mas, na ética não basta parecer, é preciso ser.
- Pois eu não concordo. Prefiro a markética, que é assim como uma certa variante de marketing da ética.
- Essa tua ideia é patética.
- Isso: patética que é o grau superlativo da ética.
- Não precisas de me ofender com essa tua posição de peito feito, que é como quem diz atlética.
- Acabemos com esta aritmética da ética (ou falta dela), põe de parte a tua propensão diabética e vamos almoçar antes de qualquer contingência anoréctica.
- Com ética e estética!"
Bagão Félix, in A Bola
'Doping' escondido ?
"1. A célebre Operacion Puerto, a maior de sempre a investigar casos de dopagem, está nas mãos da justiça espanhola, que a promoveu; o guru que aparece em todos os processos mais mediáticos de doping é o médico Eufemiano Fuentes, também ele espanhol. Assim sendo, é estranho que nas redes de controlo só sejam apanhados atletas (quase todos ciclistas) italianos, belgas, alemães, russos... e nunca nenhum espanhol. Porque será? Para muitos, a explicação é simples: em Espanha existe um doping de Estado igual aos dos países de leste antes da queda do Muro. Basta olhar para a frequência com que ali são abafados desde há anos episódios de ciclistas famosos e praticantes de outras modalidades como o ténis e o futebol. Seria bom que a ONU e a UE obrigassem os países a harmonizar as normais anti-doping. Sabe-se, por exemplo, que entre 2002 e 2007 a Real Sociedad pagou ao dr. Fuentes 342 mil euros por ano, ou seja, mais de dois milhões a título de consultoria clínica. Alguém mexeu uma palha?
2. Quando será que a UEFA mete a mão na consciência e se decide a analisar as incidências do jogo com seriedade? Quando será que os actuais e antigos árbitros deixarão de ser uma corporação tipo loja maçónica e passam a julgar os erros dos colegas com independência e isenção? Vem isto a propósito da expulsão de Nani no Man. United - Real Madrid. De um modo geral, só o clã dos árbitros aprovou a decisão do turco Çakir, enquanto a imprensa, técnicos e jogadores a condenaram. Até Pierluigi Collina, presente na tribuna como observador da UEFA, lhe atribuiu a nota de 8,2 num máximo de 10! Enfim, no melhor pano cai a nódoa.
3. Ainda estamos em Março e em Itália já foi definido o calendário para a próxima época: a 1.ª jornada será a 25 de Agosto e a última (38.ª) a 18 de Maio. Haverá três turnos a meio da semana: 25 de Setembro, 30 de Outubro e 7 de Maio. Entre 23 de Dezembro e 4 de Janeiro o campeonato estará parado."
Manuel Martins de Sá, in A Bola
O Presidente da República, o Desporto e a Justiça
"1. Sei que o momento que se vive, em termos económicos e sociais, a “crise”, ocupará, por certo, muito do tempo e da reflexão da Presidência da República. Tenho consciência de que falar de desporto, referir algo que se entende importante nesta área de vivência social, representa para uma boa parte das nossas elites (?) – incluindo a política – algo de valor diminuído, como se o desporto fosse apenas divertimento, espectáculo e, em alguns casos, somente conversa de café ou instrumento de arremesso às segundas-feiras. Não nos escapa ainda o entendimento de que, para as mesmas elites (?), desporto é, desde logo, o futebol. E, assim sendo, sem mais, é “para levar na desportiva”.
2. Na passada sexta-feira, a Assembleia da República aprovou a criação de um Tribunal Arbitral do Desporto. Algumas das minhas leituras são públicas e encontram-se mesmo na página do Parlamento. Ao seu lado – no mesmo local – outras análises existem, por exemplo as dos órgãos de gestão e disciplina das magistraturas. Muitas delas são negativas quanto a um aspecto central: a imposição legal – com exclusão do acesso aos tribunais do Estado – de uma arbitragem.
3. Porventura, inserida num processo de “privatização” dessa função soberana – a aplicação da Justiça – do Estado, a solução encontrada para o desporto pela Assembleia da República, levanta legítimas dúvidas da sua conformidade com a Constituição da República Portuguesa. A resposta da lei, de uma arbitragem necessária com os contornos que apresenta, irá operar “sobre” milhares de organizações desportivas e muitos milhares de agentes desportivos (praticantes, dirigentes, treinadores e agentes de arbitragem). Em causa estarão, sobretudo, os direitos fundamentais da “sociedade desportiva” a reclamarem um exercício pleno da função jurisdicional.
4. Chegados aqui, independentemente das nossas próprias opiniões, o que nos parece fundamental é que um significativo e impressivo – pela sua origem – conjunto de opiniões advoga a inconstitucionalidade do modelo alcançado no Parlamento. Por outro lado, interessa, a nosso ver, perante este quadro, alcançar – o mais cedo possível – um juízo que dote o modelo de justiça desportiva da necessária segurança jurídica, o qual, bem vistas as coisas, é muito pouco alternativo aos tribunais e muito mais excludente.
5. Não solicitando o Presidente da República a fiscalização preventiva da constitucionalidade do decreto da Assembleia da República, que aprova a criação do Tribunal Arbitral do Desporto, o Desporto, mas também a Justiça, arriscam-se a que, mais tarde ou mais cedo, o erigir deste novo edifício se veja afectado nas suas fundações com juízos de inconstitucionalidade, alcançados a posterior pelos tribunais e, depois, pelo Tribunal Constitucional.
6. Seria bem melhor para o Desporto e para a Justiça que tal juízo, positivo ou negativo, fosse obtido ainda antes do Tribunal Arbitral do Desporto começar a gatinhar. Dessa forma, ganharíamos todos: o Desporto, a Justiça e este infeliz país."