Baú com terra de todos os campos
Um pequeno baú guarda, desde 1941, todo um chão sagrado
Em 1969, o célebre astronauta americano Neil Armstrong trouxe para o nosso planeta uma porção de pó branco que recolheu no local onde andam, desde sempre, as cabeças dos poetas e dos distraídos. Nada de novo. Afinal, já em 1941 o famoso maratonista do Benfica Manuel Dias entrara no Campo Grande com um punhado de terra astronomicamente sagrado. Mas já lá vamos.
Nessa exalta ocasião, o nosso clube inaugurava o seu quinto campo. Embora, na época, a palavra 'reciclagem' não se revestisse da importância que tem hoje, a obra era isso mesmo um produto refeito. No rescaldo da festa, a imprensa classificou de 'condignas' as instalações. O campo recorde-se, havia pertencido ao Sporting, que entretanto se mudara para o Lumiar com a sensação de quem abandonara uma barraca para se instalar num chalé.
Ora, nos dias de hoje, em que os estádios são de outro planeta, o termo 'condignas' só faria sentido numa perspectiva eco-friendly, como, por exemplo, no caso do estádio brasileiro Janguito Malucelli, feito em madeira reciclável, em 2007, para além de outros predicados únicos em matéria de consciência ambiental.
Mas, nos anos 40, o Benfica cumpria ainda a sua sina de Marco Polo contrafeito em deambulação por Lisboa. E o advento do Campo Grande não passava de mais um sonho a que se dava forma com a mesma receita de sempre: madeira e pregos.
Os benfiquistas daquele tempo estavam longe de imaginar a futura 'casa' de cimento que só teriam na década seguinte. E muito menos a 'estação espacial' de arcos vermelhos que seria a Luz do futuro milénio.
Voltando ao grande Manuel Dias e àquela tarde inolvidável de 1941, não posso deixar de ver nele um peculiar Neil Armstrong, finalizando a história 'Estafeta da Saudade' debaixo de uma ovação monumental, como se acabasse de chegar do espaço e transportasse dentro de um 'cofre' o centro do universo. O tesouro seria simbolicamente enterrado no miolo do campo, perto do local onde hoje se encontra o outrora inimaginável Alvalade XXI. No seu interior, sob a forma de terra, residia a memória de todos os campos por onde passara o Benfica.
A tradição manteve-se e o pequeno baú receberia ainda o chão sagrado da desaparecida 'catedral'. Recentemente, submeteu-se a um 'peeling' e vai estar no museu.
Há dias, contei esta história a dois amigos. Um deles, sportinguista, atacou logo: 'Isso de guardar terra num baú é bocado fúnebre!' O outro benfiquista, defendeu que: 'fúnebre, mas sobretudo, I-NÚ-TIL, é guardar lagartos num frasco de álcool desnaturado, como fazia o Darwin. Não se aprende nada com eles!...'.
Luís Lapão, in Mística