segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Um deus passeando pela brisa da tarde...

"Certa vez, em Parma, dois jogadores que haviam passado pelo Benfica (Paulo Sousa e Rui Costa) estiveram frente a frente. A exibição do 10 foi inesquecível. Eu vi ! Talvez um dos melhores jogos da sua vida. Os Italianos chamaram-lhe 'Sua Exc.ª Rui Costa, o Magnífico !'... Passam agora 13 anos...

No dia seguinte o 'Corriere dello Sport' escreveu na sua primeira página: 'Rui Costa divino'. Por mim, peço desculpa ao Mário de Carvalho por lhe roubar o título do seu livro mais famoso, mas vinha a propósito, não sairia mesmo mais a propósito se fosse encomendado.

Dirão os picuinhas das factualidades que o jogo não foi à tarde, foi à noite, e que isso desmente, portanto, a realidade da imagem. Eu digo: neste caso, nesta caso concreto, primeiro vem a imagem e só depois os factos!
Há dias (ou noites) assim, é um dos privilégios da profissão. No estádio Ennio Tardini, em Parma, foram precisos todos os adjectivos tal foi a qualidade da exibição de Rui Costa. Dir-se-ia que a perfeição do seu futebol foi aumentando a um ritmo insustentável, duplicando-se para aí de quinze em quinze minutos.

Fui a Parma, dessa vez, para ver o confronto entre portugueses. Dois antigos jogadores do Benfica: Rui Costa de um lado, Paulo Sousa do outro. Mas, no confronto entre Parma e Fiorentina, só foi possível ver Rui Costa - o 10.
Naquela noite do Ennio Tardini ele fez tudo, mas tudo! E continuaria a fazer tudo o que lhe fosse exigido ou lhe desse na real gana, nem que nesse tudo estivesse incluída a obrigação de apontar um penálti com uma bola de ping-pong ou um livre directo com uma ameixa raínha-cláudia. É um exagero, obviamente. Mas o exagero não é meu, é dele. Foi ele que exagerou na qualidade de oitenta e cinco minutos fantásticos, inesquecíveis.

'Sua Majestade, o futebol'
Para os que julgam que tudo isto não passa de um laivo serôdio de um patriotismo saloio, eis as palavras dos outros que defendem aquilo que aqui fica escrito. Aliás: dêem-se simplesmente ao trabalho de contar quantas vezes por mês, ou até mesmo por trimestre  é que os avaros jornalistas da 'Gazzeta dello Sport' se dão ao luxo de atribuir a nota de 8,5 nas apreciações individuais dos jogadores do seu Campeonato. Garanto-vos: contam-se pelos dedos de uma mão. O nosso camarada Alessandro Calò, escreveu assim do Rui: «Dos seus pés sai sempre qualquer coisa de importante. Jogou como um 'fuoriclasse' e matou o jogo. (...) A diferença entre as duas equipas foi feita por um Rui Costa de trato imperial. Joga por todo o campo, é insuperável nas coberturas e impossível de parar nas suas arrancadas». Continuam ainda a pensar que é exagero? Pois há mais: «O númerp 10 'viola' sai do meio-campo com a bola controlada e cabeça alta tal como fazia Cruyff. (...) Como mereceu a 'standing ovation' do desportivíssimo público do Ennio Tardini». Vêem? O seu treinador da altura, Giovanni Trapattoni, outra figura querida da história do Benfica, também não lhe poupou elogios na conferência de Imprensa que se seguiu ao jogo: «Rui Costa foi estrepitoso! Superlativo! Foi o melhor em tudo». Nem Massimo Basile, do 'Corrierer dello Sport: «O seu primeiro tempo foi grandioso. O segundo tempo fantástico. (...) É evidente que se diverte. E fez dois golos com a arte dos grandíssimos». Nem Alberto Poverosi, do mesmo 'Corriere dello Sport, que iniciou a sua crónica desta forma emocionada : «Quando, no minuto 40 do segundo tempo de uma partida histórica, Giovanni Trapatoni chamou Rui Costa, todo o Tardini se pôs de pé e acompanhou com aplausos intermináveis a saída de campo de Sua Majestade, o futebol !». Pier Paulo Catosi, da RAI, chamou-lhe «Sua Exc,ª Rui Costa, o Magnífico!» E mais e mais ainda. Tanto cujas transcrições se tornariam fastidiosas. Eis porque o principal na exibição de Rui Costa foi a imagem. A imagem forte de um artista em noite de dominar o palco e transformar os outros actores em meros figurantes. Poucas vezes escrevi sobre um jogo em que um só jogador invadisse a cena com a arte de Lawrence Olivier ou Sarah Bernhardt em noite de estreia memorável. E, se calhar, em momentos como esses, as crónicas têm que começar pelo fim, pelo minuto em que o artista sai do palco envolvido nos aplausos da sua glória. Em Parma, as duas equipas entraram em campo ao som dos acordes da Marcha Triunfal da Aída, de Verdi. Escrevi, então, que Rui Costa tinha merecido sair de campo ao som da mesma marcha triunfal. É algo que Parma fica a dever-lhe para sempre. Porque o que ele fez no relvado do Ennio Tardini dificilmente se repete."

Afonso de Melo, in O Benfica


Diferenças

"1. O Benfica teve um presidente que roubou o Clube. Os sócios 'correram' com ele da presidência nas eleições seguintes e expulsaram-no de sócio em Assembleia Geral. Parece que o Sporting teve um vice-presidente (por sinal com grande visibilidade no caso da rede de segurança no nosso Estádio...) que igualmente se serviu dos dinheiros do seu clube, para além de ter conseguido uma base de dados com aspectos da vida privada dos árbitros (para que seria?...) e de ter contratado uma empresa (por sinal sua...) para vigiar os jogadores do clube - para já não falar no caso-Cardinal, com dinheiro a aparecer na conta de um árbitro assistente que pelos vistos não dava jeito.
Tudo isto com a complacência do (ainda) presidente do clube, que então nada fez para correr com ele da Direcção e agora nada diz sobre o caso... nem coloca o clube (moral e financeiramente prejudicado) como assistente no processo. Para além de tudo isto, o antigo dirigente tem como advogado de defesa o ex-presidente da Assembleia Geral.
Enfim, se eu fosse sócio desse clube sentir-me-ia profundamente envergonhado. Como me senti envergonhado quando tive como presidente alguém que tão mal representou o Benfica. Embora esteja de consciência tranquila, pois, modestamente e dentro das minhas possibilidades, lutei, como muitos outros, para que ele saísse o mais rapidamente possível e não causasse ainda mais prejuízos do que causou. Felizmente, agora, o problema não é nosso. Já tivemos a nossa conta...
2. Jogámos pouco, não merecemos mais que o empate mas estamos a caminho das meias-finais da Taça da Liga. Porventura pouco cuidadosos, os defesas do Moreirense cometeram dois penáltis claros. Foi o bastante para que os jornais do costume (O Jogo, JN) aproveitassem (nas respectivas capas) para salientar o facto de termos tido duas grandes penalidades a favor.
3. Título de 1.ª página de A Bola: 'Sem intervenção do Governo a Luz teria perdido a final da Champions'. Fui ler, a ver que benfeitoria havia feito o Governo no nosso Estádio. Afinal, o Governo resolveu um problema no âmbito da batalha antidoping, que nada teve a ver com o nosso Clube. Enfim, o Benfica dá sempre jeito para vender jornais..."

Arons de Carvalho, in O Benfica

Com todo o respeito

"O treinador do Paços de Ferreira fez uma declaração surpreendente no final do jogo de ontem em Alvalade, ao manifestar-se crítico da exibição da sua equipa. O Paços, realmente, já tinha feito esta temporada muitos jogos melhores, na sua longa série de 15 seguidos sem derrotas, mas o adversário não exigiu mais.
Quem não tenha visto o encontro pode descortinar no comentário um laivo de imodéstia, quiçá, desrespeito pela grandeza alheia, mas o realismo de Paulo Fonseca só pode chocar quem não consiga olhar de frente para a crise leonina.
A crueza de algumas análises realizadas aos processos técnicos seguidos em Alvalade nos últimos anos, a partir da inversão da política de aproveitamento sistemático da formação, que coincidiu com a dispensa de Paulo Bento, encontrou sempre uma reação negativa da parte dos responsáveis e da generalidade dos adeptos, encerrados numa rotina viciosa de clube rico ao qual nada de mal pode acontecer.
Foram raros os críticos em tempo real dos desmandos da gestão desportiva, que contou com boa imprensa nos momentos eufóricos das contratações, mas ficaram suficientes páginas escritas com autênticos relatórios à incompetência. Alguns dos críticos arrostaram com ameaças, insultos e desconsiderações, mas fizeram o seu trabalho, tiveram razão fora de tempo, alertaram para os perigos que o Sporting corria, com todo o respeito.
Hoje, parece bem fácil, até fácil de mais, assumir que os jogadores não têm a qualidade que as pretensões justificam, embora a conivência de alguns analistas de referência, para quem a qualidade dos jogadores é sempre condicionada pela cor da camisola que vestem, continue a prejudicar a recuperação do clube. Estes são mais nefastos do que os tiveram a hombridade de ir contra a corrente em tempo real, sem receio de serem desmentidos pelo impossível, ou do que a seriedade de um treinador como Paulo Fonseca."

Sport Europa e Benfica

"Escrevo este texto no dia 1 de Janeiro. Feriado, dia de folga? Para mim, o Benfica não permite ripanço, não se compadece com abstinência. Para mais o seu Jornal, a mais antiga publicação desportiva do País.
Mas, em convívio familiar, curtos são os minutos, alguém leva a mal a reprodução de um texto? Um escrito da minha lavra? Depois de uma meia temporada sem derrotas para consumo doméstico e com uma trajectória desejavelmente vitoriosa na Liga Europa. Aqui vai, seguindo a lei do arreigado deslumbre vermelho.
A eternidade tem pouco mais de 50 anos. O Benfica Campeão Europeu rompeu as fronteiras convencionais da bola. De acento tónico na cobiça, no ritual das suas belas aguarelas, espreguiçou-se por toda a parte onde o Futebol reclamou um vencedor.
Na verdade centenária do Benfica, Berna e Amesterdão foram os elevadores da glória total. Já a Taça Latina, dez temporadas atrás, havia amanhecido a madrugada do Futebol benfiquista com o pitoresco de uma prenda ressonante. Ainda nos refractários anos 60, o cortejo desconcertante voltou a cruzar-se com momentos mágicos que apenas esbanjaram um pequeno toque resolutivo. A história teve três réplicas na década de 80, o aprumo do Benfica vestiu a Europa com a melhor indumentária para novas cerimónias de apoteose.
Clube mítico, dos poucos do Mundo, desde os seus triunfos continentais, o SLB ergueu, majestático, o palácio da Mística. Com 'orgulho muito seu', abriu as janelas ao sol da vitória. Libertou o génio de Eusébio e de outros artistas com a medida do sonho bom. Fez-se mensageiro do exército libertador do sucesso, recebido com a sensação incontida de agrado pelas massas populares da mais diferentes latitudes. A construção europeia da bola só pode ter uma dívida perpétua ao Benfica. Vamos repetir os melhores desideratos? Por que não já neste novo ano?..."

João Malheiro, in O Benfica