sábado, 25 de agosto de 2012

Perguntem aos fundadores



"Uma das variadíssimas coisas que me emocionam sempre no Estádio da Luz (e, em dia de jogo, sinto quase tantas emoções quanto o elenco da Anatomia de Grey durante uma operação à vesícula) é o facto de um consócio meu considerar relevante levar para o estádio uma enorme tarja com o rosto de um dos fundadores do Benfica. Talvez o conceito de sofisticação ditasse que fosse mais apropriada a imagem de um jogos jogadores 'encarnados' em campo. Mas, por outro lado, é inegável que a opção escolhida tem a vantagem de, caso não haja nenhum imprevisto de última hora, Cosme Damião já não vir a mudar de clube. Seja como for, a imagem que essa tarja proporciona - a de Cosme Damião olhando o relvado, as bancadas, os jogadores, os adeptos, os adversários, os dirigentes - presta-se a uma reflexão mística: perante tudo isto, o que estará ele a pensar?
Este exercício de imaginação não se torna assim tão esotérico, uma vez concluída a leitura da biografia de Cosme Damião, assinada por Ricardo Serrano (Editorial Zebra). Eis uma passagem muito esclarecedora sobre a natureza do nosso clube: 'A certa altura, Artur José Pereira é carregado de forma violenta por um adversário galego. Arrependido da entrada, o jogador espanhol dirige-se ao jogador português para o ajudar a levantar. Artur José Pereira (compreensivelmente magoado e no calor do jogo) responde com algumas injúrias na linguagem fluente do bom futebol, e com tal intensidade que feriu os castos ouvidos de algumas senhoritas que se encontravam perto do local da ocorrência. Cosme Damião, zangado com a atitude menos correcta do seu jogador, expulsa-o de campo, obrigando-o a recolher aos balneários. Para vincar o desagrado pela acção pouco correcta do seu médio, fechou-o no quarto de hotel justamente na altura em que, a convite do Real Clube da Corunha, se realizava um banquete de homenagem à equipa benfiquista." (pp. 87-88).
E outra: 'Menos de dois meses depois, o Benfica receberia uma das melhores equipas estrangeiras que passaram por Portugal nessa década: os escoceses profissionais do Third Larnack. Em jogo apitado por Cosme Damião (provavelmente por estar ainda magoado), o Benfica perde por 4-1." (pp, 97-98).
Quando uma instituição se encontra numa encruzilhada - desportiva, financeira, ética -, há uma boa alternativa a painéis de comentadores e a sondagens junto de notáveis do clube. Essa alternativa é perguntar aos fundadores. Testemunhar, ainda que de forma indirecta, a vida de Cosme Damião é muito esclarecedor, não só do ponto de vista de identidade do nosso clube, mas também no que diz respeito ao questionamento dos nossos próprios valores pessoais.
Há muitos benfiquistas, ainda para mais numa altura em que se aproximam eleições, que pensam poder vir a influenciar os destinos do clube.
Mas, bem vistas as coisas, é muito mais provável que seja o Benfica, a sua história e os seus valores, a influenciar o nosso destino pessoal."

Miguel Góis, in Mística

Nem há culpas nem há desculpas

"“Não há desculpas”, disse Vítor Pereira aos jornalistas na véspera do jogo em Barcelos que significaria o arranque do campeonato para os campeões. Era forte a convicção do treinador do FC Porto na vitória sobre o Gil Vicente. E tão confiante estava nos primeiros 3 pontos que se atreveu a dizer, antes do jogo, que não haveria desculpas para qualquer outro resultado. Vítor Pereira, no entanto, sabia ao que ia. Nem sequer poderia estar à espera de um Gil Vicente de ataque, a disputar taco-a-taco o jogo. Vítor Pereira avisou-se a si próprio: “O adversário vai ser uma equipa organizada, compacta, com linhas bem fechadas”, dissera na véspera.
Concluindo, não havia desculpas. Palavra do treinador antes do jogo. Depois do jogo a primeira desculpa foi de índole vegetal.
- A relva estava altíssima.
A segunda desculpa foi para o anti-jogo do adversário que se apresentou, tal como Pereira tinha previsto, organizado, compacto e com linhas bem fechadas. Para quem não saiba, o resultado saldou-se num 0-0 que não estava nas contas. Também é verdade que a relva por estar altíssima não ajudou nada. Começou assim o campeonato de 2012/2013. Uns culpam a relva e outros culpam-se a si próprios, como aconteceu na Luz depois do empate de estreia, depois de 2 pontos perdidos de modo absurdo e depois de, por unanimidade, os 50 mil presentes terem absolvido de qualquer culpa o infortunado Melgarejo. Trata-se, para quem não sabe, de um jovem paraguaio a quem cabe, temem os mais pessimistas entre os benfiquistas, representar este ano o papel que no ano passado representou Emerson e que há dois anos representou Roberto, outros dois infelizes estrangeiros que passaram pela Luz carregando às costas a maldição das indecisões alheias.
No Benfica, no entanto, não há só profetas da desgraça. Também há benfiquistas muito optimistas para quem a assinatura indelével de Melgarejo nos dois golos do Sporting de Braga foi um momento de sorte que poderá valer uma época inteira no sentido em que só um duplo falhanço daquele calibre logo de entrada poderá obrigar a SAD da Luz a contratar, finalmente, um lateral-esquerdo. No que diz respeito à relva na Luz, nada a apontar. Está impecável. Não teve culpa nenhuma.

ERRAR É HUMANO
Revivendo o passado em Portimão
Com o ingresso das equipas B dos grandes na II Liga, a competição viu o seu estatuto melhorado e passou a merecer grande atenção. Com os grandes-B em acção, a II Liga até pode vir a ter uma importante função social: lá mais para diante, se alguns dos grandes forem perdendo fulgor e ambição na I Liga, será na II Liga que se refugiarão os adeptos na procura de entretenimento e de consolos mais à mão de semear.
Na última jornada, em Portimão já foi grande o entretenimento, fazendo até recordar os tempos da épica e desproporcionada rivalidade entre o Portimonense e o FC Porto na década de 80 do século passado, quando umas quantas indizíveis arbitragens em jogos entre os dois emblemas deixaram a cidadezinha do Sul em polvorosa. Passaram-se muitos anos mas no último Portimonense-FC Porto fez-se jus à tradição. O Portimonense vencia por 1-0 aos 94 minutos mas o FC Porto empatou aos 95 minutos do tempo suplementar que, por exemplo, foi considerado excessivo pelo articulista do “Record”. O golo do FC Porto chegou tarde, dirão os portistas. Já os portimonenses dirão outra coisa: que o golo do FC Porto nem chegou a chegar porque a bola não entrou na baliza de Márcio Ramos. Houve zaragata e houve expulsões. Saíram todos zangados. Temos II Liga!

POSITIVO
Nélson já brilha
No seu primeiro jogo oficial coma camisola do Corunha, Nélson Oliveira saltou do banco aos 64 minutos para assinar o golo mais espectacular da primeira jornada do campeonato espanhol. Que chapéu!
Der Gaag na frente
Excelente o arranque do Belenenses na II Liga sob o comando do treinador holandês Mitchell Van der Gaag. Três jogos, três vitórias e a liderança isolada da tabela. Sinais de esperança no Restelo, finalmente.

NEGATIVO
Pobre Melga
Ninguém merece uma coisa daquelas. E Melgarejo muito menos. A estreia oficial do paraguaio adaptado a lateral-esquerdo ficou marcada por um auto-golo e um atraso fatal que resultou no golo do empate do Braga.

PÉROLA
“GOSTAVA DE JOGAR EM ESPANHA.”, James
Calma aí, rapaz, ainda há muita gente à tua frente nessa repartição. Ninguém duvida de que o futebol português é o portal para outras Ligas mais sonantes para os sul-americanos que aterram cá no burgo. Mas com os caso de Hulk por resolver, ninguém no Dragão quer um caso James em linha."

O nojo e a falta dele

"Inimputável, o Gaseificado tece considerações neurasténicas sobre a vergonha, que é coisa que não tem. Fala, desesperado para que o ouçam, mas a sua voz é entaramelada de mentiras e saliva velha. Os seus acólitos, viciados no jogo e em prostitutas, riem-se mais pela força do hábito do que pela obrigação de untar o chefe. Há já muito pouca gente que lhe preste atenção, tão dementes são as suas frases, tão tacanho é o seu raciocínio. Ainda assim, o Gaseificado abre e fecha a boca como um peixe fora de água, largando chalaças pobres enquanto cospe. O mundo está do avesso e ele sabe-o. Lançar um saco de pedras de calçada do alto de um viaduto sobre um carro em movimento não é crime. Os autores da façanha riem-se em casa quando a noticia passa na televisão. Terão a sua recompensa. Inepta, a polícia ri-se também: há lugares do país onde ela não foi criada para perseguir celerados e sim para proteger os mentores de tais façanhas.
Perguntem-lhes, por exemplo, sobre um fotógrafo que foi atropelado. Houve investigação? Claro que não! Que importância tem tal episódio? Perguntem-lhes pelos jornalistas agredidos, um até em directo na televisão. Podem perguntar. Eles não respondem. Perguntem-lhes por aqueles que atiraram bolas de golfe e pedras para dentro de um relvado. E, de novo, o silêncio. O Gaseificado é mais do que inimputável, é protegido por quem tinha obrigação de nos proteger dele. Os polícias tapam os ouvidos, fecham os olhos, calam as bocas como os macaquinhos da história. Os árbitros às vezes estão de cócoras, outras vezes rastejam: compram-se facilmente a preço da chuva, graças a fruta e café e chocolate e, se calhar, até a um carro para o chefe. Os juízes vergam a cerviz, sujando miseravelmente a nobreza da profissão em troca de viagens e bilhetes para o camarote do figurão. Já não se trata de vergonha, trata-se de nojo. E tudo isto mete nojo. Muito nojo!"

Afonso de Melo, in O Benfica