domingo, 29 de julho de 2012

Caiu o Abade

"Abades, bispos, priores e outros senhores costumam ser mais dados aos silêncios do que às palavras. Muitas vezes, acrescente-se, silêncios que escondem graves porcarias humanas capazes de deixar Papas de cabelo arrepiado. Portugal tem um Abade engraçado: fala muito. Traça maldições sobre diabos negros. Perguntem ao nosso Abade o que é um corrupto e ele, de imediato, aponta dois, três, uma grosa. Palavra de Abade!
Mas o Abade de Portugal, como muitos outros seus colegas de sotaina, é selectivo. Para ele, existem corruptos e corruptos-que-não-são-corruptos. Por isso, às terças e quartas abre a boca para acusar os responsáveis pela desgraça do País, por via da sua corrupção intrínseca e avassaladora, e às quintas e sextas cala-se na companhia do Gaseificado e da sua flausina.
Aos sábados e domingos dá missa e comunhão, presume-se. O Abade de Portugal é amigo do peito do Gaseificado de Portugal. São vistos juntos nas mais diversas situações, nos mais díspares lugares: são fotografados de sorriso nos lábios e flausina no meio. Tudo como convém a um membro distinto da Santa Madre Igreja. Parte-se do princípio que, atendendo à amizade, o Abade não admite a corrupção evidente do Gaseificado. Ou benze-se logo pela manhã, tirando-lhe da casca rija a penugem do pecado. E, assim sendo, todos esses encontros sorridentes se passam na paz dos anjos. Há quem estranhe, claro. A começar pelos corruptos apontadas a dedo pelo Abade, que talvez não soubessem que há corruptos que sendo evidentemente corruptos não o são perante o mestre da abadia. E a acabar naqueles para os quais a hipocrisia teima em ser um pecado. Neste País-de-faz-de-conta pouco importa. O Gaseificado passeia-se impune nas barbas de Deus com a sua flausina. Se ouvirem um barulho, não se assustem: caiu o Abade."

Afonso de Melo, in O Benfica

Na razão da certeza

"A pré-temporada está em curso e adensam-se as expectativas dos benfiquistas. O saldo, por ora, é positivo, a despeito da derrota frente ao PSV, numa partida de características muito singulares, já que o colectivo esteve em vantagem e muito próximo, em plena metade complementar, de resolver a contenda a seu favor.
Destaque para o regresso de Carlos Martins, entusiasmante e prenunciador de uma época em pleno. Boas indicações de Ola John e também de Melgarejo e Luisinho, ainda que seja manifesta a necessidade de um lateral-esquerdo de créditos firmados para dar maior e melhor consistência ao compartimento recuado.
Ao invés de outros anos, o treinador Jorge Jesus conseguiu partir para a nova temporada com o elenco quase na sua totalidade, excepção feita ao atraso de Nélson Oliveira e à ausência de Rodrigo, para além, eventualmente, de algum jogador que ainda possa integrar o plantel. Só por si, essa circunstância dá maiores garantias quando a competição tiver cariz oficial.
Este é um novo Benfica? Não é, longe disso. É quase o mesmo Benfica. Mas é, também, um Benfica que inicia as lides no ritmo certo. Os jogadores não começaram o trabalho a conta-gotas, a formação não foi crescendo de forma descoordenada. O que pode resultar daí? Só mesmo um conjunto mais sólido, mais organizado, mais empreendedor.
Ainda faltam alguns embates de carácter particular. Em todo o caso, este Benfica parece bem melhor apetrechado. Tecnicamente? Tecnicamente e não só. Mais um ano de vida competitiva a uma turma quase inalterada vai conferir-lhe maior competência, melhor argumentação, outra certeza."

João Malheiro, in O Benfica

Por exemplo...

"Escrevo ao cair do domingo passado, dia da primeira derrota do Benfica na época que está a começar, e este facto provocou-me uma intensa acidez de estômago, geralmente conhecida por azia. Efeitos psicossomáticos. Os pacientes, por influência da parte psíquica, sofrem todos os sintomas de um mal físico. A mim, os efeitos psicossomáticos da tristeza e depressão por um infortúnio do Benfica sobem-me do estômago pelo esófago com acentuada dose de azedume. Mas note-se que não é sempre assim. Há maus resultados e resultados maus. Por exemplo: perder um jogo com uma equipa acessível ao Benfica com golos sofridos na segunda parte pelo mesmo lado da defesa é dos tais resultados maus que me dá azia.
A demanda de um defesa esquerdo - e também de uma alternativa para o lado direito da defesa - é uma velha questão do Benfica. Já vem de longe. E nos últimos tempos, que me lembre, desde Leo que o Benfica não tem um jogador de raiz e de elevado nível para a posição, excluindo o caso de Joan Capdevila, um campeão do Mundo e da Europa provavelmente contratado fora do prazo. O que a equipa fez durante algum tempo, aliás com brilhante resultado, foi adaptar Fábio Coentrão à posição. Resultou em cheio. Aliás, o Benfica fez outro tanto do lado direito com Maximiliano Pereira, como antes fizera com Miguel. Mas não sei se insistir na receita não será abusar da sorte e do cálculo de probabilidades e também do futuro do atleta assim posto à prova.
Com o plantel aberto o Benfica segue a preparação para a nova época de Futebol. E eu daqui deixo um apelo aos dirigentes e técnicos do meu querido e glorioso Benfica: por favor tenham em conta os estômagos delicados dos sócios e adeptos."

João Paulo Guerra, in O Benfica 

A sério e a treinar

"1. Tirando a segunda parte do jogo com o PSV, tenho gostado das exibições e da atitude da equipa nestes primeiros jogos da época. Claro que são jogos-treino, claro que, muito provavelmente, não serão todos aqueles os jogadores com que o Benfica contará no início da época (já estou mentalizado para perdermos dois ou três deles), claro que, nas competições a sério, a réplica será bem maior. Mas, à parte a tal segunda parte de domingo (creio que a equipa se ressentiu de tantos jogos e treinos), fiquei esperançado numa boa época e muito agradado com o regresso de Carlos Martins em grande plano. Confesso que não me entusiasmou o seu ingresso no Clube, há uns anos, mas cedo mudei de opinião e não esqueço a forma como vibrou, no banco de suplentes, aquando do nosso último jogo do título, frente ao Rio Ave. Lamentei a sua saída na época passada (gosto de portugueses no 'onze') e creio que iremos ter um grande Carlos Martins esta época. Mas, como disse, daqui a algumas semanas, quando o Campeonato começar, é que será a sério. Teremos mais um ou outro jogador para lugares em falta (não gostei de ver os mesmos defesas a terem que jogar o tempo todo...) mas, tal como nós (ou até mais que nós...), os outros precisam de vender e fá-lo-ão certamente bem abaixo daquilo que apregoam. Tanto os do Norte, como os nossos vizinhos de Alvalade, cujas aquisições (a custo zero ou nem por isso...) são sempre muito elogiadas. A ver vamos...

2. Como era inevitável, aquela ideia do Nacional, que o Sporting logo apadrinhou, tentando 'colar-se' aos pequenos, não deu em nada. A proibição de empréstimos de jogadores a clubes da mesma Divisão pode ser, teoricamente, muito válida mas, na prática, nem é boa para os jogadores portugueses - que teriam que emigrar o 'descer' à Liga de Honra - nem para os pequenos clubes, que não têm meios para contratar equipas inteiras. Claro que há desconfianças quanto ao empenho dos jogadores emprestados perante os seus clubes (alguns até se lesionam naquela semana). Por isso, admitiria a possibilidade de os jogadores emprestados não jogarem contra os clubes que lhes pagam. E tamb´m seria de estudar uma limitação no número de emprestados ao mesmo clube. Mas tudo planeado com tempo e não de um momento para o outro. A Liga de Clubes descredibiliza-se cada vez mais..."

Arons de Carvalho, in O Benfica