sexta-feira, 6 de julho de 2012

Nos aviões há lugares de cócoras

"DONETSK - Os aviões aterram cheios. Os aeroportos tornam-se deprimentes lugares de convívio para quem tanto mal faz à verdade do Futebol português. Mas a selecção é desculpa, é motivo. Fatos e gravatas de boa qualidade e  de mau gosto. Poses vaidosas. As televisões invadem o átrio das chegadas e peitos estufam como se de perus e pavões se tratasse no mendigar da palavrinha parva e da imagenzinha grotesca.
Há uns de sinistros óculos escuros, escondendo as olheiras prostituídas da véspera, camaflando as mentiras que debitam no lugar das verdades que encobrem. São, todos eles presidentes e vice-presidentes, e secretários-gerais, importantíssimas personagens que tirando a vacuidade do título nada têm para mostrar.
Riem-se labregos das raparigas que passam, fazem estalar palmadas nas costas uns dos outros, preparam-se para desperdiçar dinheiro numa estúrdia curta de meia-dúzia de horas que os separam do vôo que os carregue de volta àquele país que o mar não quer, como dizia Ruy Belo. Acreditem: é um circo deprimente ao qual não faltam nem feras nem palhaços. O personagem que se dedicava a abrir garrafas de champanhe a cada derrota da Selecção Nacional dantes não vinha, mas agora já vem. Dantes não era bem aceite, agora já é. Via os jogos em casa, junto ao frigorífico, espreitando a temperatura do espumante. Apareceu uma única vez, convencido da derrota em Nuremberga às mãos de um árbitro compincha. Enganou-se. Hoje em dia voa, convidado, três vezes por semana se for caso disso, lado a lado com o outro senhor de cócoras, ao qual se aconselhava recato e pudor.
Mas não, ao diabo o recato e o pudor se o que vale é andar por aqui promiscuamente misturado com dirigentes de clubes e outros pacóvios quejandos. Pois. Eu não sabia; e se calhar vocês também não? Há lugares de cócoras nos aviões! Se não, como teria ele chegado aqui?"

Afonso de Melo, in O Benfica

Paixão contra racionalidade

"O entusiasmo dos adeptos aumenta sempre que, com razão ou sem ela, há a notícia de aquisição de um jogador. Não raras vezes sucede que a notícia de chegada é mesmo a única alegria que têm os adeptos, pois quando se começa a jogar o entusiasmo cai a pique. Esta ilusão é um dos encantos do futebol. Este ano parece haver uma diferença. Porto e Benfica têm os seus apaniguados mais suspensos pelas saídas do que pelas entradas. O verdadeiro adepto do Porto quer saber onde jogarão Moutinho, Hulk e Álvaro Pereira e o ferrenho benfiquista mantém dúvidas sobre a cor da camisola de Witsel, Garay ou Javi Garcia. É uma treta barata dizerem-nos que sempre serão 11 a jogar em cada equipa, pois ninguém quer perder os seus melhores jogadores. A paixão desportiva colide sempre com a racionalidade financeira. Quem conseguir gerir melhor este equilíbrio partirá com vantagem este ano.
Mesmo sabendo que nunca se colocará em causa a solvabilidade do clube, pois este ano o mercado parece sem liquidez e adormecido, eu queria ficar com os melhores. Serei mais emotivo do que racional quando discuto o Benfica. Não há por agora grandes compras na Europa do futebol.
Ontem houve sorteio da liga. A existência de condicionantes no sorteio é a primeira batotice. O sorteio devia ser livre e não haver pequenos e grandes, condicionantes e limitações. Na partida todos deviam ser iguais, para haver mais verdade na chegada. Estes condicionalismos dizem que não podíamos jogar com o Sporting, que foi quarto na última época, mas já podemos jogar com o Braga que foi terceiro. Benfica-Braga para abrir a Liga faz lembrar as tradicionais dificuldades que temos na primeira jornada. Matar este borrego, ganhar o primeiro jogo, é já um bom objectivo inicial para a época. Ser campeão na última jornada, na Luz, contra o Moreirense, terá de ser uma obsessão colectiva."

Sílvio Cervan, in A Bola

O Euro limpa mais limpo

"No futebol português, um dos melhores detergentes para limpar nódoas são as competições europeias. Os nossos especialistas na matéria futebolística têm uma forma particularmente interessante de analisar o fenómeno. Se a parte visível do tapete estiver asseadita, toda a sujidade que para baixo dele se varreu passou também a fazer parte do asseio.
A Itália foi uma selecção finalista no Europeu. Terminada a competição, louvou-se o feito da “Azzurra” e continuou a decorrer o processo de moralização do futebol italiano. Ou seja, o êxito da selecção italiana não serviu para esconder o que de podre ia no “reino”. Antes pelo contrário, mais reforçou a necessidade de extirpar do seio do futebol os agentes que lhe são perniciosos e que contribuíram para manchar de vergonha o campeonato deles.
Pelo contrário, em Portugal fez-se da presença de Pedro Proença na final do Europeu um baluarte de como tudo vai bem no “reino” luso dos apitos mais ou menos dourados, mais ou menos frutados. Querem convencer-nos de que aquela face limpa do tapete não esconde uma sujidade atroz no seio da arbitragem portuguesa. Pior, querem fazer de um dos principais beneficiados de um sistema sujo o exemplo de limpeza do mesmo sistema.
É, assim, natural que o próprio Pedro Proença clame e se insurja contra a ausência de altos dignitários do Estado para o receberem no aeroporto. Certamente porque já se habituou a ver outros agentes do futebol bem mais perniciosos a serem recebidos por esses mesmos dignitários em cerimónia de beija-mão. E, deste modo, enquanto uns aproveitam o êxito para perseguir o que de errado há no seu futebol, nós aproveitamos esse mesmo êxito para promover e tentar esconder as nódoas do nosso futebol."

Pedro F. Ferreira, in O Benfica