" 'Da flatulência dos dinossauros' podia ser o nome pomposo de um tratado com centenas de páginas, assinado por cientistas de renome. Os dinossauros, dizem eles, contribuíram para o aquecimento global graças à sua enorme capacidade para produzir gases. Ora, não é preciso ser cientista, nem sequer nenhuma espécie de génio, para perceber que o que se passou há vários milhões de anos continua a repetir-se nos dias de hoje, embora os dinossauros sejam em quantidade muito mais escassa. Apesar de tudo, há um dinossauro, o Madalenus Corruptossauros, que não se exime à emissão de qualquer coisa como 520 milhões de toneladas de gases por ano, com a particularidade de a fazer não apenas pela via natural utilizada pelos seus antepassados lá do Mesozóico, como igualmente pela boca de cada vez que a inconsciência lhe ordena que solte as suas jumentadas.
O fedor que solta é hediondo e, ainda assim, há quem se deleite na absorção do metano. O Copiador-de-Livros- Alheios solta boçalidades de contentamento; o Baladeiro-de-Tiques-Estranhos ensaia um dó de peito de meter dó; e Merceeiro-Aldrabão esvoaça nas suas asas aborboletadas. Só não entendem que o Dinossauro Cretiníssimo está nas vascas de agonia. O chulé que exala pelas narinas, a cada dolorosa contracção dos pulmões, provém de um cérebro caliginoso e pútrido; as palavras entarameladas que balbucia, aqui e além procurando uma rima popularucha, são inescrutáveis de tão estúpidas. Mas, indiferente, a corte de sabujos roja-se beijando o chão que ele pisa. Os Homenzinhos-de-Cócoras precipitam-se submissos a cada flato desse Madalenus Corruptossaurus que ameaça infectar com a sua decomposição todos aqueles que o rodeiam. Bajulam-no felizes, na sua condição de vermes, à espera de uma recompensa de flausinas baratas. E assim se extinguirão todos, para nosso alívio, encerrados nesse microcosmo tinhoso atacado pelo efeito de estufa podre."
Afonso de Melo, in O Benfica