quinta-feira, 8 de março de 2012

Querer é poder

"Os nossos árbitros são umas prima-donas que não aceitam críticas. As suas decisões podem decidir fortunas de milhões mas ofendem-se com muito pouco


PASSOU-SE apenas um mês do Vítor Pereira que entregou as faixas de campeão ao Benfica, depois de o FC Porto ter perdido por 3-1 com o Gil Vicente, até ao Vítor Pereira que enverga agora as mesmíssimas faixas de campeão, depois da vitória na Luz por 3-2...

Foi um mês em cheio para Vítor Pereira (o treinador do FC Porto, não o Vítor Pereira presidente dos árbitros). E nem a imediata desponabilidade de André Villas Boas para reocupar a «cadeira de sonho» parece constituir ameaça para a altíssima cotação de que hoje goza o treinador do FC Porto.

O futebol é isto mesmo. É o momento.

O Benfica-FC Porto de sexta-feira foi um grande jogo de futebol entre duas equipas grandes nas individualidades e nos conjuntos. Normalmente, de acordo com as Leis do Jogo, uma partida tem duas partes de 45 minutos e um intervalo. No clássico da Luz estivemos perante uma espécie de aberração que não deixou de produzir os seus efeitos.

É que o Benfica-FC Porto só teve um intervalo mas foi um jogo com três partes distintas: uma primeira meia hora de grande categoria do FC Porto, uma segunda meia hora de raça e de enorme qualidade do Benfica e uma extraordinária meia hora final de Pedro Proença e do seu bandeirinha Ricardo Santos.

Na primeira meia hora o FC Porto adiantou-se no marcador, na segunda meia hora o Benfica deu a volta ao jogo e ao resultado e na meia hora final a equipa de arbitragem pôs a sua assinatura, preto no branco, no resultado final validando, a dois minutos do fim, o golo majestosamente irregular do FC Porto. Isto para além de outras minudências, sem dúvida menos espampanantes, que de alguma forma contribuíram para o desenho do resultado final.

Foi uma pena. No lance que decidiu o resultado e os pontos em causa, Pedro Proença foi traído por um maus juízo de um seu assistente que, também ele infeliz, assim que não viu os dois jogadores do FC Porto adiantados logo não quis assinalar a dita irregularidade. E não se lhe podia exigir que quisesse outra coisa.

Como diz o povo «querer é poder» e fariam bem os benfiquistas em cessar com as recriminações contra a equipa de arbitragem. Pois se o bandeirinha não pôde ver os dois jogadores adiantados jamais podia querer assinalar um castigo contra a dupla de infractores, como é óbvio.

Não se compreende, portanto, esta vaga noticiosa do início da semana dando conta da ameaça de castigos que paira sobre Jorge Jesus por ter dito, com muita simplicidade, no fim do jogo que o árbitro assistente «não quis» levantar a bandeirola ao minuto 88.

Tanta indignação porquê? Se querer é poder é poder, como diz o povo, não quis, não quis e não quis. E porquê? Porque não pôde, não pôde e não pôde.

Os nossos árbitros são, no entanto, muito susceptíveis. Uma verdadeiras prima-donas que não aceitam crítica nem do púbico que paga bilhete. São parte integrante do jogo, são a Lei do espectáculo, tudo e todos são sujeitos ao seu arbítrio, as suas decisões justas ou erradas podem decidir fortunas de milhões mas não suportam o julgamento de terceiros. Ofendem-se com muito pouco.

Na segunda-feira, um outro árbitro, Duarte Gomes quis - lá está o verbo querer... - partilhar no Facebook os seus sentimentos de solidariedade devidos a Pedro Proença que, na sua opinião, «é de longe o melhor árbitro português da actualidade».

Proença que pouco ou nada sofreu no rescaldo do clássico: foi apenas vaga e formalmente repreendido pela crítica num único lance e terá, ou não, escutado Luís Filipe Vieira pedir-lhe que desista de apitar jogos do Benfica e terá, ou não, ouvido Jorge Jesus dizer que o árbitro assistente não levantou a bandeirola porque «não quis», o que é a mais pura das verdades porque se tivesse querido tinha podido. Querer é poder, recorde-se o dito popular...

Mas estas pequeninas reacções negativas de uns quantos, poucos, aparentemente deitaram Pedro Proença abaixo a ponto de ter de vir um colega defendê-lo publicamente: «Os erros ora são irrelevantes, ora têm influência directa no desfecho dos jogos. Mas essa é uma verdade que se aplica para os erros dos árbitros, dos jogadores, dos técnicos», afirmou Duarte Gomes em abono de um amigo.

E tem razão. Fica-se apenas com uma dúvida: se a «verdade secular» a que Duarte Gomes se refere é a que tem a ver com o facto de o jogo ter mais de 100 anos de existência ou se a palavra secular, no contexto em que foi empregue pelo árbitro, remete para o fenómeno da secularização, o processo através do qual as Igrejas perdem Poder nas múltiplas esferas da sociedade.

Sem querer especular nesta divagação semântica, é de presumir que Duarte Gomes, com a sua «verdade secular», se referisse muito prosaicamente ao século de vida do futebol e não a qualquer Igreja que, ao que se julga, nem vem para o caso.

O importante é que, tal como Duarte Gomes referiu, árbitros, jogadores e treinadores, todos erram. Mas os árbitros, ao contrário dos outros, não podem ser criticados com desdém. Dos jogadores e dos treinadores, está a crítica autorizada a não ser meiga e a utilizar todo o tipo de ditos populares e de metáforas que, se aplicadas a árbitros, até podem dar tribunal e prisão.

Querem um exemplo?

Se um crítico profissional ou se um adepto anónimo disserem, em voz alta, que no jogo da primeira mão com o Zenit de São Petersburgo, o grande Maxi Pereira «ofereceu o ouro ao bandido», porque falhou no lance que deu o terceiro golo aos russos, ninguém de bom senso vai entender estas palavras como judicialmente difamatórias para o grande lateral-direito uruguaio do Benfica que na terça-feira se redimiu, marcou ao Zenit na Luz e assinou uma exibição de enorme categoria.

Oferecer o ouro ao bandido é uma expressão popular e apenas uma maneira amigável de dizer que o erro de Maxi Pereira teve influência directa no desfecho do jogo da primeira mão.

Imagine-se, no entanto, o que seria neste país se algum crítico ou se algum adepto anónimo resolvessem proclamar que, como o seu erro, o melhor árbitro português da actualidade «ofereceu o ouro ao bandido».

Tal seria, certamente, considerando como uma desconsideração do outro mundo. Passível de tribunal. Começava-se por identificar e responsabilizar criminalmente o crítico, o que seria fácil.

Já o adepto anónimo, por ser anónimo, estava a safo. É esta a boa notícia.


NO final da década de 60, o humorista brasileiro Juca Chaves iniciou em Portugal uma tournée europeia que, depois de Lisboa, o levaria até Paris, Londres e outras cidades do velho continente. Quando regressou ao seu país foi entrevistado e disse: «Gostei muito da viagem, primeiro fui a Portugal e depois peguei um avião e fui até à Europa» e isto caiu muito mal na imprensa afecta ao regime português de então que não se cansou de fustigar Juca Chaves por, à sua maneira subtil, ter afirmado que Portugal estava muito longe de ser um país da Europa.

Lembrei-me de Juca Chaves por estes dias. Na sexta-feira esteve na Luz o melhor árbitro português da actualidade e anteontem esteve na Luz o melhor árbitro europeu da actualidade, o inglês Webb.

Continua a haver uma grande diferença, Juca Chaves.


O Benfica-Zenit foi um jogo d grande intensidade com duas equipas a responder em campo aos conceitos tácticos dos respectivos treinadores o que permitiu um espectáculo corrido do princípio ao fim e com alternâncias de sistemas do tipo ora agora trocamos nós a bola e ora agora trocam a bola vocês.

No fim, ganhou a melhor equipa. Sem casos no jogo, sem zaragatas, sem benefícios de uns e prejuízos de outros. É a Europa."


Leonor Pinhão, in A Bola

Benfica entre árbitros

"O Benfica está, por mérito próprio, entre as oito melhores equipas da Liga dos Campeões. Desta vez, jogou com inteligência, concentração, entusiasmo nas porções certas e as substituições foram nos momentos certos. No conjunto da eliminatória foi superior. Agora, qualquer antagonista é bem-vindo.

No fim do jogo, dei comigo a perguntar onde esteve o árbitro.

Quis o destino dos calendários que, no espaço de quatro dias, dois jogos importantes do Benfica tivessem sido arbitrados pelo considerado melhor árbitro português e por um dos mais conceituados árbitros mundiais que apitou a final do Mundial. E o que vimos? No primeiro, o juiz e a sua equipa colaboraram activamente no desenrolar da partida e no resultado. A partir do momento em que o Benfica fica em vantagem (curioso, não é?), virou artista principal. Com efeitos especiais, argumento próprio e montagem dedicado. No segundo, o britânico Howard Webb deixou jogar, foi interveniente secundário, ninguém se lembra dele no dia seguinte (o melhor elogio que se lhe pode fazer). Um juiz que não precisa de se armar em dono do jogo, discreto e seguro, sem alardes de vedeta. Um árbitro que não confunde um encosto num jogo de contactos físicos com mais uma falta mariquinhas. Ali respira-se mestria. Não há batotas e não se imagina qualquer tipo de condicionalismo ou corrupção mental.

Os 'Webb's' erram? Certamente que sim. Mas o erro natural coabita, sem dramatismos, com a busca da perfeição. Porque só assim o erro é humanamente honesto e honestamente humano. Como escreveu Paul Valéry, ser competente é cometer erros de acordo com as regras."


Bagão Félix, in A Bola

Nota artística

"Parece sina: três quartos de hora de sofrimento, porfiados, diligentes, empenhados, sonhadores, até que Maxi Pereira lá estava no sítio a que os avançados não chegaram para fazer um golo. Depois, mais 45 minutos arrastados ao segundo, ligada muito cedo a “tração atrás”, prejudicada o espetáculo em função da solidez recuada, com Matic em campo ao lado de Javi e com os dois alas (Nolito e Bruno César) alertados para missões defensivas, até que Nélson Oliveira – à terceira – acabou com as reticências, legítimas para quem queria sair de um ciclo terrível mas não sabia se o conseguia alcançar.

Ao contrário do que aconteceu com o FC Porto, em que o Benfica teve de correr atrás de um golo de desvantagem e de um arranque muito melhor do adversário, os encarnados puderam e souberam ser pacientes, equilibrando uma postura coletiva cuidadosa e concentrada com a expectativa de que algum das individualidades (Gaitán, Witsel, Rodrigo) estilhaçasse a muralha defensiva dos russos. Desta vez não houve romantismos – em vez da troca de Aimar por Rodrigo, foi o jovem espanhol, mesmo aniversariante, quem abriu caminho à presença de Matic. Mesmo sem Garay, a defesa do Benfica (com Jardel a dizer que é bombeiro para estes incêndios) mostrou uma concentração rara, algo que tanto pode avaliar-se pela escassez de trabalho a que Artur foi submetido, como pela falta de oportunidades reais do Zenit. Ou seja, sem deslumbrar, sem se aproximar dos vendavais que já provocou esta época, o Benfica muniu-se – inteligentemente – de uma frieza que só foi interrompida por um emotivo pedido de apoio de Luisão ao público, já a segunda parte ia alta. Sabendo que não podia contar com o génio de Pablo Aimar, repartiu as suas tarefas por Witsel (um artista-operário com todas as potencialidades para fazer história no clube) e por Gaitán (não só a recuperar nos desequilíbrios estonteantes que provoca, mas muito capacitado de que também era preciso integrar o espírito de corpo). Mais: desta vez, todas as substituições de Jorge Jesus devem ser aplaudidas. Pena que, mais uma vez, o “numerus clausus” não tenha abrangido Javier Saviola.

Parece-me legítimo que o Benfica sonhe com a ajuda da fortuna no sorteio – se escapar a Barcelona e Real Madrid, ganha direito à ilusão. Afinal, em duas épocas consecutivas, a equipa de Jorge Jesus chega, primeiro, à meia-final da Liga Europa (é ver onde andam os dois finalistas…) e coloca-se agora entre as oito melhores equipas europeias. Num momento em que o campeonato parece ter outro destino, salvaguarda a maquia que a Champions lhe atribui. Salvo melhor opinião, é a segunda grande vitória de um mesmo dia, depois de recusar a proposta da Sport TV. Mas isso só se verá mais adiante."


O sonho de volta

"Quando o Benfica estava a fazer uma época de sonho, a tragédia abateu-se sobre a equipa.

Tudo começou em S. Petersburgo, quando Bruno Alves investiu brutalmente contra Rodrigo e o afastou do jogo. Tive logo a perceção de que a sorte para o Benfica estava a mudar.

Primeiro foi a derrota através de um golo estúpido no dealbar desse jogo na Rússia, depois foi o desaire em Guimarães, o empate em Coimbra e a derrota contra o FC Porto, em que tudo sucedeu: a lesão de Aimar, a lesão de Garay, a expulsão de Emerson e um golo em fora-de-jogo.

Nesta fase decisiva da época, tudo correu mal ao Benfica: as arbitragens, uma expulsão cirúrgica e muitas lesões. Javi García (uma pedra decisiva) esteve três jogos fora, Garay (que era o melhor defesa) foi para o estaleiro, Aimar (que é insubstituível) está outra vez magoado, Rodrigo (que estava a ser o melhor avançado) ficou a 50% depois da agressão em S. Petersburgo.

Foi demais!

Depois disto, só faltava Jesus sair para a destruição ser completa. Para chegar ao fim um projeto que custou tanto a construir e projetou tantos sonhos.

A esperança voltou a renascer na noite de ontem, com a vitória sobre o Zenit. Quatro dias depois da infortunada derrota com o FC Porto, este sucesso teve uma grande virtude: inverteu um ciclo maldito. E esclareceu uma dúvida: a equipa não estava afinal mentalmente tão fraca como se temia.

Daqui para a frente, o Benfica tem ainda tudo em aberto: a Liga portuguesa e a Champions League.

E se a Champions é uma lotaria, no nosso campeonato uma coisa é certa: se o Benfica ganhar todos os jogos até ao fim, tem grandes hipóteses de ser campeão. Se não ganhar, a culpa é sua..."