quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A outra equipa

"«Se quiserem levar a outra equipa ao colo...», afirmou peremptoriamente o técnico do Porto, após o galo cantar três vezes em Barcelos.

A outra equipa? Primeiro pensei no Gil Vicente. De facto, era a outra equipa, só não entendi o colo. A seguir lembrei-me do cipriota Apoel. Mas logo achei quão impossível é ganharem a Champions, mesmo que num colo de ouro. Depois surgiu-me na mente a Académica, que está a um passo de chegar ao Jamor, ao colo da Oliveirense.

Mas não. A outra equipa tem um nome que escalda a língua do até aqui envernizado Vítor Pereira: Sport Lisboa e Benfica. Um fulminante ataque de amnésia que, por paixão ou galo, o impediu de se lembrar de tão ignoto adversário. É assim a memória: selectiva, abrasiva e reprimida.

Já quanto à costumeira expressão «levar ao colo», o treinador ficou-se pela vulgaridade contumaz. Prejudicado pelo árbitro no jogo de domingo (o que, só por si, não justifica o desaire), recai nas amnésias. Por exemplo, esquece o conveniente penalti na 1º jornada em Guimarães, obra de Benquerença, assim como, em casa e contra o incómodo Gil Vicente, olvida um penalti inventado por um tal Rui Silva e um vermelho directo transformado num pálido amarelo para Otamendi aos 5 minutos.

Por fim, percebo a frustração de o Porto não ter igualado o recorde (da «outra equipa») de jogos consecutivos sem perder. Tal e qual como no ano passado e depois de notável liga sem derrotas, ter também ficado aquém do recorde de 38 vitórias e dois empates da mesma «outra equipa», então por força de um intruso Paços de Ferreira.

Sempre a obsessão com a tal «outra equipa»..."


Bagão Félix, in A Bola

A encomenda

"A temporada do FC Porto é um desastre. Até ao Ano Novo, quando alguém ousava questionar a cronologia decadente da equipa supercampeã, comparando implicitamente e muito ao de leve com o ano anterior, logo surgiam as vozes oficiais recordando, factualmente, que continuava nas diversas frentes, que estava à frente do campeonato, que não tinha perdido, etc.

Mas por essa altura a Liga dos Campeões já se tinha ido perante adversários menores, a Taça de Portugal idem após 25 eliminatórias consecutivas e a liderança da Liga era uma mera formalidade, pois o cotejo semanal com o Benfica há muito pendia para os encarnados. Com regularidade assustadora, os resultados iam desfazendo o mito, num cenário de desorientação e amolecimento da temida “máquina” portista.

A gestão de um plantel campeão e cheio de ambição exigia uma liderança muito competente, muito personalizada, muito decidida. A ganância dos jogadores e seus agentes, o ego das vedetas, a vertigem dos grandes negócios e, consequentemente, o eterno confronto entre o comodismo e a alta competição impunham um casting mais elaborado da sucessão de Villas-Boas.

E a precipitada aposta em Vítor Pereira, selada com uma cláusula de rescisão magnânima, contrastava logo à partida com aqueles objetivos. Não pela comparação, impossível de realizar de forma honesta, mas pela falta de garantia de rendimento num quadro de competição previsivelmente mais apertado. O FC Porto de 2012 justificava um senador, mas foi entregue a um iniciado – o cenário propício a que tivesse de correr mal o que podia correr mal.

Para a materialização da lei de Murphy na pauta dos resultados, as hesitações, deambulações e cambalhotas do treinador foram em gravidade e quantidade suficientes para provocar uma enorme ebulição em qualquer clube com uma vida associativa pouco menos do que vegetal.

Fucile, Sapunaru, Guarín, Fernando, Cristian Rodríguez e Belluschi em instabilidade permanente. Iturbe desamparado. Defour, Mangala, Alex Sandro e Danilo difíceis de pagar e de integrar. Kléber e Walter imolados no altar de Falcão. Hulk sacrificado e em depreciação galopante. Um naufrágio em larga escala, com um comandante à deriva, agarrado aos quatro ou cinco sobreviventes que ainda vão mantendo a barca à tona, incluindo Helton, o capitão despromovido na noite da desgraça.

A época está a ser um desastre, mas o FC Porto como o conhecemos nunca renunciaria a cinco meses do fim. A aposta firme da SAD neste treinador, contra todos os prognósticos, não merecia, por isso, uma declaração de desistência como a proferida em Barcelos, ao admitir implicitamente que o outro clube estaria a ser conduzido ao título e, a 13 jornadas do fim, podia até encomendar as respetivas faixas.

De todos os erros, este foi o maior, só comparável à desistência de Quinito em 1987. Porque acusar o abalo de duas derrotas copiosas sob supervisão de Bruno Paixão em pouco mais de dois meses diminui a “organização portista” para um nível de incompetência que a desvaloriza e descaracteriza: resumiu Vítor Pereira ingenuamente que, afinal, não só não há dinheiro, como nada está tratado."


Obrigado, Eusébio

"Esta foi a semana do Eusébio. Só podia ser a semana do Eusébio. O aniversário do Eusébio, para mais o seu septuagésimo, só podia ser o destaque da semana, só podia colorir a semana informativa. O aniversário do Eusébio, para mais depois de duas hospitalizações consecutivas, só podia ser o relevo da semana, só podia colorir a semana emocional!

Quis participar na semana do Eusébio. Participo em todas as semanas do Eusébio, mas esta foi ma semana especial. Escrevo muito sobre o Eusébio, escrevo sempre sobre o Eusébio, mas esta semana com mais diletantismo, mais militância, mais prazer.

'O menino Eusébio, há meio século, chegou a Lisboa. Pouco mais que bebé, já injectado de benfiquismo pelo popular Zé das Barbas do Ponte da Barca, havia um João, que não sabia ainda que era Malheiro, mas logo ficou fascinado pelo seu novo ídolo. A aptitude emocional prosseguiu, até recrudesceu. Eusébio deleitava tudo e todos. Era hipnose, era rajada, era batuta, era sedução. Era o que os outros não eram, o que os outros não conseguiam ser. Era um deus da bola.

Anos volvidos, para aí duas décadas, a cumplicidade entre nós começou, também recrudesceu. Tantas e tantas horas de convívio, tantas e tantas horas de confidências, tantas e tantas partilhas. Mais emoções, algumas fúrias, sempre sintonias. Agora, Eusébio tem setenta anos. Ele diviniza a palavra saudade, ele é lenda, ele é mito. Agora, Eusébio tem setenta anos? É porque está ainda mais próximo da imortalidade."


João Malheiro, in O Benfica

O nosso Rei

"Cumpriu-se esta quarta-feira mais um aniversário do nascimento do melhor jogador português de todos os tempos.

Eusébio da Silva Ferreira marcou o Futebol nacional, marcou o futebol europeu, e ficou na história como a referência máxima do Benfica e do Benfiquismo.

Não é fácil descrever, em palavras, aquilo que Eusébio representou, e representa, para o nosso Clube. A sua influência histórica só é comparável à de Pelé, no Santos ou à de Di Stefano, no Real Madrid. E mesmo para quem, como eu, já não tenha chegado a tempo de o ver jogar, a estatística, por si só, é arrebatadora.

Quando ele aterrou em Lisboa, o Benfica tinha dez títulos nacionais no seu palmarés, enquanto o Sporting contava outros dez, o FC Porto cinco, e o Belenenses um. Quando partiu para uma reforma americana, deixou-nos com vinte títulos, tantos quantos todos os restantes clubes juntos. Isto sem falar nas quatro finais da Taça dos Campeões Europeus que disputou (uma delas ganha ao Real Madrid, com dois golos seus), ou nas Botas de Ouro e Bolas de Ouro com que prestigiou o Clube e o Futebol português.

Também na Selecção Nacional Eusébio foi Rei. A melhor classificação portuguesa de sempre num Campeonato do Mundo deve-se, em larguíssima medida, ao Pantera Negra. Uma cintilante presença no Inglaterra-66 catapultou o seu nome para a dimensão universal que mantém intacta até hoje. Até à eternidade.

Além de excepcional Ser Humano. Congregou simpatias no Mundo inteiro, e não há adversário que não fale respeitosamente do seu desportivismo, e de uma diplomacia que nunca tolheu a ambição de vencer que manifestava em campo. Foi essa humildade que tornou ainda maior do que o seu já enorme talento.

Uma saúde debilitada não tem deixado em paz nestes últimos tempos, preocupando todos aqueles que o estimam e admiram. Mas Eusébio está aí, e o seu exemplo continua a inspirar a nossa equipa. Lá para Maio, esperamos vê-lo a festejar mais um título nacional ao nosso lado."


Luís Fialho, in O Benfica

A corrupção global

"As pessoas de boa-fé, honestas, pensam que o futebol é limpo e que os vários casos de corrupção que aqui e ali se vão conhecendo não passam de excepções à regra. Reduzem tudo à dimensão do Apito dourado português, em que meia dúzia de árbitros e dirigentes foram apanhados em escutas, e que, além disso, foi um episódio circunscrito no espaço e no tempo. Piedosa ilusão. A demolir essa quimera é o australiano Chris Eaton, alto responsável da Interpol que, em Zurique, coordena a task force da FIFA contra as apostas clandestinas e a corrupção. Diz ele: «Não julguem que os jogos viciados são poucos e que não há motivo para alarme. Pelo contrário. Há organizações transcontimentais que investem milhares de milhões a longo prazo para desenvolver este negócio. Há programas para ensinar jogadores e árbitros a falsear resultados. É precisa a ajuda das Polícias e dos Governos, à semelhança do que se fez contra o terrorismo depois do 11 de Setembro. Basta dizer que as apostas efectuadas em jogos manipulados já atingem por ano a incrível verba de 15 mil milhões euros! Na Coreia do Sul houve jogadores que se suicidaram depois de terem sido descobertos e outros que foram mortos por não se terem vendido.

Como se não bastasse e como já acontece com a economia, também o futebol europeu está a ser devorado pelos asiáticos. Sheiks, emires e sultões compram clubes a eito. Do porfólio destes nabados já fazem parte Arsenal, Manchester City, Fulham, PSG, Málaga, Getafe, entre outros. Na mira estariam agora Manchester United e Vitória de Guimarães, este a preço de saldo: 15 milhões. Com este cenário como pano de fundo, onde irá parar o fair play financeiro decretado por Platini?"


Manuel Martins de Sá, in A Bola