quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A jaula e a gaiola

"Confesso que fui para a Luz curioso sobre a «caixa» (infeliz nome) de segurança, rebaptizada pelos leões, de jaula. E assustado, porque, segundo o dicionário, uma jaula é «um espaço fechado por fortes grades, geralmente de ferro, que serve para alojar animais selvagens».

Fiquei sossegado. Afinal, é um estrutura como a dos melhores estádios do mundo, para prevenir situações indesejadas de visitantes ou de visitados.

Algumas reacções epidérmicas não contribuíram para a serenidade que se impunha. Por exemplo, dizer-se que estavam duas pessoas em cada lugar, quando havia até algumas cadeiras vazias é insensato. Criticar-se o excesso de zelo da PSP que, todavia, não bastou para evitar o fogo posto, é paradoxal! Quem semeia ventos, pode colher tempestades (neste caso chamas). O argumento aduzido de que o Sporting iria servir de cobaia da pérfida jaula é ridículo. Tendo sido, nesta época, o primeiro jogo na Luz com um grande, quereriam que fosse inaugurada contra o P. Ferreira ou o Feirense? Na segunda volta o Benfica recebe o dragão. Embora a «caixa» tenha sido apelidada de «pré-histórica» por um responsável leonino, receio que o mitológico animal, mais corpulento que o leão, não caiba numa cadeira. Assunto a rever pela direcção encarnada. Prevejo que, mais tarde ou mais cedo, noutros estádios se edifique uma semelhante estrutura. Semelhante é um modo de dizer. Porque para conter as águias, mais numerosas e com asas, sairá mais cara. E que terá de ser coberta por cima...

Voltando ao jogo de sábado, salvou-se um óptimo derby de bons profissionais e lúcidos treinadores. E desejo que as duas direcções saibam encontrar, no meio desta turbulência, a essência do ideal desportivo."

Bagão Félix, in A Bola

Verdade inconveniente

"Eusébio, com a simplicidade que todos lhe reconhecem, contou a uma revista porque motivo gostava do Benfica, e não gostava do Sporting. No seu bairro, segundo diz, os sportinguistas eram maioritariamente próximos da elite colonialista.
Não percebo que isto possa ter de polémico. Primeiro, porque Eusébio não generaliza, falando apenas daquilo que era a realidade do local onde passou a sua infância. Depois, porque - embora ele não o tenha dito desse modo - todos sabemos que o Sporting sempre foi, de facto, um clube genericamente conotado com as elites económicas e políticas, nomeadamente durante o Antigo Regime, fosse em Moçambique, em Lisboa, em Évora, ou em Carrazeda de Anciães. Os primeiros estatutos do clube do Visconde de Alvalade apenas permitiam a adesão a 'filhos de boas famílias', e ao longo dos anos, muitas vezes ouvimos sportinguistas manifestarem o legítimo orgulho de pertencer a um clube 'diferente', logo, elitista e restrito. Como será fácil de perceber, na África colonial dos anos cinquenta este elitismo andava frequentemente de braço dado com o preconceito racial.
Nem é necessário trazer para aqui os vários dirigentes leoninos ligados à PIDE ou à Legião Portuguesa, nem o facto de os anos dourados do Sporting terem coincidido com os anos de maior vigor salazarista. Bastará, simplesmente, lembrar que a cor (e não só) do Benfica agradava pouco aos senhores de regime, facto que, desde logo, os empurrava para os braços do rival.
Ao pendor democrático, popular e interclassista do nosso Clube, sempre se opôs o snobismo sportinguista. Quer queiram, quer não, é essa a matriz genética de cada um dos clubes, os quais, sem elementos geográficos que os possam diferenciar, ancoraram a sua identidade noutros factores - que lhes dão densidade, e os tornam muito mais do que simples abstracções desportivas. De resto, é assim também em Bueno Aires, em Atenas, em Roma, em Milão, em Manchester, em Liverpool, em Viena, ou em qualquer outra cidade futebolisticamente dividida."
Luís Fialho, in O Benfica