sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Quando os lobos uivam

"Por causa de três. Pereira exige a Pereira que apareça de cinco em cinco. A verdade é que estes três são como os mosqueteiros de Alexandre Dumas: escondem um quarto. Ou seja, se Pereira exige a Pereira que apareça de cinco em cinco, não quer certamente que Pereira venha falar de D'Artagnan.

Pereira aprendeu depressa. Lê a cartilha com facilidade. Pode não ser de famílias finas como o cão d'água irlandês, mas obedece às ordens respeitosamente como se o Madaleno fosse uma espécie de Jesus acabado de regressar à companhia dos mortais. É difícil perceber qual dos dois é mais servil: se Pereira ou Pereira. Mas também pouco importa. Educados na arte da surrelfa sabem medir palavras e gestos. Talvez Pereira não apareça de cinco em cinco. Talvez não apareça sequer de seis em seis, porque à sexta haverá de certeza muito para dizer. Ou melhor: para calar! Talvez Pereira apareça jamais. Mas sabemos que ele está lá, no seu posto, atento e venerando, de cócoras. Assustado com a verdade destes três que foram quatro, Pereira assomou à janela e uivou de desespero. E quando os lobos uivam é sinal de que a alcateia de prepara para descer à aldeia trazendo consigo a desgraça. Uma desgraça de quatro patas. É preciso cuidado, muito cuidado, quando se ouve uivar os lobos. Pereira sabe que o seu tempo é curto. Pereira sabe que o Madaleno é impaciente e sem escrúpulos. Pereira sabe que Pereira tem medo. Por isso Pereira uiva. Há desespero no seu uivo, mas tem como certo que faz tremer de pavor os senhores de cócoras. Entre Pereira e Pereira, a diferença é, hoje, nenhuma. Um fala e o outro escuta e está de acordo. E fará a vontade ao poder da força. Como sempre. A fraude está para durar. E Pereira e Pereira bem que podem extinguir-se por confusão."


Afonso de Melo, in O Benfica

Muito mais que apenas um ponto

"O Benfica na passada quarta-feira ganhou muito mais que um ponto na Liga dos Campeões.

Vamos começar pelo princípio. O Man United é melhor que o Benfica, mais rico e com mais soluções, três em quatro das últimas finais da Liga dos Campeões, uma das três melhores equipas do Mundo, que em condições normais é sempre favorito contra o Benfica. Mas o Benfica mostrou uma maturidade competitiva, um equilíbrio posicional, uma atitude que contrasta com a vertigem de anos anteriores. Perde em deslumbre e ganha em eficácia. Este United tinha atropelado todos quantos lhe apareceram até ao momento, e na passada quarta-feira suou para não perder com o Benfica.

Gostei imenso deste Benfica, e sem entrar em loucuras, sei que esta equipa fará uma Liga dos Campeões interessante. Luisão esteve imperial, Aimar foi alvo de todos os elogios de quem percebe de futebol (Ferguson, por exemplo) e Cardozo joga e marca golos.

Dizer mal está cada vez mais difícil mesmo para os especialistas. Outra questão são os objectivos da época: Campeonato, Taça de Portugal e Taça da Liga, aí o objectivo é ganhar. Apenas ganhar será bom.

Por isso espero poucas alterações contra a Académica e um Benfica ainda mais forte para chegar ao Dragão na luta pelo título.

Em cinco jogos para a Liga temos três nomeações de árbitros do Porto e não berramos aqui 'D'el Rei'...

Quando jogámos contra o Trabzonspor e os eliminámos ouvi comentários jocosos sobre os turcos. Anotei os autores e o teor dos comentários, agora gostava de os ouvir a falar da vitória turca em Milão contra o Inter.

Jorge Jesus já percebeu que vai ser medido pelos resultados, porque também entendeu que o antibenfiquismo primário dos comentários é incapaz de lhe reconhecer os muitos méritos que tem. As vitórias contra turcos e holandeses foram difíceis e importantes.

Para mim fica a sensação de que o trabalho é bom e os resultados são ainda melhores."


Sílvio Cervan, in A Bola

Encruzilhada

"Filipe Soares Franco apresentou a sua candidatura à presidência da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Segundo se diz, é apoiado - ainda que por detrás das cortinas - por clubes como o FC Porto, o Sp. Braga e o Nacional. Tudo boa gente, como bem sabemos.

O golpe é fácil de perceber: acossados pela possibilidade de um entendimento entre os dois 'grandes' lisboetas, os clubes do Sistema, comandados pelo corrupto-mor, lançaram uma candidatura que visa dividir Benfica e Sporting. Apresentando um ex-presidente sportinguista, conseguiriam mais facilmente obter apoios em Alvalade, dividir Lisboa, e deixar o Benfica isolado nesta batalha. Não se pode dizer que tenha sido mal pensado. Devemos reconhecer que estamos perante gente que pensa sempre bem as suas golpadas. Resta saber o que podemos esperar do Sporting.

As hipóteses que se lhe colocam são, por um lado, intensificar o entendimento com o Benfica para o apoio a um candidato comum, que vise ajudar a limpar o Futebol português da sujidade em que vive submerso há décadas; por outro lado, ceder aos mais primários instintos anti-benfiquistas, encarreirando atrás dos clubes do 'Apito Dourado' na candidatura de um amigo de Pinto da Costa, de alguém que sempre assobiou para o lado perante escutas que evidenciavam práticas criminosas, e cuja eventual eleição (Deus nos guarde) iria, provavelmente, significar a queda da arbitragem nos braços de Lourenço Pinto e da sua trupe, e trazer mais alguns anos de falcatruas para o nosso pobre Futebol, com os títulos a voarem para os do costume.

Não sei se as últimas horas terão trazido novidades relativamente a este assunto. Qualquer solução será boa desde que impeça os acólitos do Sistema de lançar as suas afiadas garras sobre as rédeas da FPF. Se para tal for necessário fazer cedências, sacrificar nomes, ou estabelecer compromissos, pois que assim seja. O Futebol português, e a sua credibilidade, estão acima de tudo."


Luís Fialho, in O Benfica

Os caprichos do estrelato

"Tinha Ricardo Carvalho na conta de um homem discreto e sensato, para além de ser, reconhecidamente, um dos melhores defesas do futebol europeu. A sua carreira, mesmo tendo entrado na recta final por força da idade, ilustra bem o segundo aspecto da minha afirmação.

O modo abrupto e pouco solidário como abandonou a Selecção, em ruptura com o seleccionador e com os colegas, foi uma demonstração de arrogância egocêntrica e de quebra de solidariedade com o colectivo que só pode ser entendida como um lamentável capricho do estrelato.

Na origem dessa triste decisão esteve, sabe-se praticamente desde o momento inicial, o facto de não ter visto assegurada a titularidade do jogo com Chipre.

Esta situação merece uma breve reflexão e pelo menos um comentário de remate. Jogadores como Ricardo Carvalho, e outros portugueses que atingiram o merecido estrelato internacional, caem por vezes na perigosa tentação de, na fotografia da equipa só conseguirem olhar para eles próprios, não medindo as consequências dos seus actos a curto e longo prazo.

Terá sido isso o que aconteceu com o jogador do Real Madrid. Ou então, numa leitura menos linear, ele tinha vontade de sair de vez e encontrou nesta situação o pretexto ideal para o fazer. No entanto, tudo me leva a crer que não tenha sido esse o caso e que a saída intempestiva tenha sido fruto de um momento de emotividade descontrolada. Deplorável, de qualquer modo.

Exemplar foi, neste processo, o comportamento de Cristiano Ronaldo que, mesmo antes de ser conhecida a decisão de Carvalho, fez declarações que valorizavam a força do colectivo, a liberdade de escolha do seleccionador e o dever de solidariedade com a equipa. Contrariando a imagem de um jogador individualista e impulsivo, deu provas de maturidade e de capacidade de liderança dentro da equipa, mesmo posicionando-se com subtileza contra um companheiro de equipa no Real. Há quem se estrague com o estrelato e quem acabe por amadurecer com ele."


José Jorge Letria, in O Benfica