quinta-feira, 7 de julho de 2011

Espiões absurdos e bem pagos

"Para que precisariam Pinto da Costa e Salvador de um espião que lhes desse conta dos estados de ânimo de Nuno Gomes?


SEGUNDA-FEIRA, 4 DE JULHO

A Copa América é sempre uma dupla chatice. Estes primeiros jogos são de uma sensaboria muito grande, eis a primeira chatice.

A segunda é ainda mais grave. Com a Copa América a decorrer é certo e sabido que Luisão e Maxi Pereira vão demorar a chegar à Luz e são logo dois que fazem muita falta no arranque da época. Ainda para mais, estando fresco na memória de todos como o Benfica, em 2010/2011, perdeu tudo o que tinha ganho no ano anterior - título, ânimo, auto-estima e pedalada - nas primeiras semanas da temporada oficial.

A Copa América começou como invariavelmente começam estas compridas competições internacionais, com os favoritos a jogar pouco e mal e a não conseguirem ganhar os seus primeiros jogos. Aconteceu logo com a Argentina e com o Brasil para grande escândalo das respectivas nações e imprensas especializadas. Os argentinos, que jogam em casa, viram-se aflitos para empatar com a Bolívia e os brasileiros, apresentando na frente um quarteto que vale muitos milhões, não conseguiram marcar um golo sequer à Venezuela.

Só quem não sabe nada de futebol é que teve artes de encontrar algum encanto neste onze titular com que o Brasil se estreou na prova.

-Mas o que é isto? Um Ganso e um Pato numa equipa de futebol? É brincadeira, não é?

Não, não é brincadeira. É mesmo a sério e terá sido, porventura, a única coisinha divertida que o Brasil apresentou ao mundo no aborrecidíssimo jogo com os venezuelanos.

Para os adeptos portugueses, no entanto, a Copa América tem as suas curiosidades e desperta até sentimentos contraditórios. Benfica, FC porto e Sporting, todos juntos, têm um número considerável de jogadores envolvidos na prova e ao desejo de os ver brilhar soma-se o desejo, ainda maior, de os ver regressar o mais rapidamente possível à Luz, ao Dragão e a Alvalade, à custa da eliminação das respectivas selecções.

O Sporting leva vantagem sobre os seus dois rivais internos nesta disputa porque os seus jogadores são de selecções mais fracas e, teoricamente, mais calhadas para o afastamento prematuro.

Por isso mesmo, os peruanos Carillo e Rodriguez e o chileno Matías Fernandez correm o risco de chegar a Alvalade bem mais cedo do que colombianos Falcao e Guarin mais os uruguaios Álvaro Pereira e Cristian Rodríguez hão-de chegar ao Porto ou de que o brasileiro Luisão e o uruguaio Maxi Pereira hão-de chegar à Luz.

Na armada argentina que actualmente aportou na Luz não há nenhum jogador na Copa América até porque a contratação de Garay nunca mais desemburra. Há duas maneiras de ver a questão. A primeira, optimista, regojiza-se pelo facto de termos todos os nossos argentinos, já em estágio na Suíça. A segunda maneira, pessimista, preocupa-me com o facto de nenhum argentino do Benfica ter lugar na selecção de Sérgio Baptista.

Mas ainda há quem analise a situação de uma terceira maneira:

-Sem um único jogador do Benfica está explicado porque razão a Argentina não joga nada e empatou com a Bolívia!

Está explicadíssimo.




TERÇA-FEIRA, 5 DE JULHO

PRONTO! Já temos um jogador do Benfica na selecção argentina. Chama-se Garay e é defesa central. É bom termos mais um defesa central de valor inquestionável mas é meu termos perdido um defesa esquerdo de valor incomensurável. E é com o dinheiro de um que vamos comprar o outro, dizem os jornais, o que não nos alegra particularmente.

Nuno Gomes continua a alegrar as gentes de Braga, o que se compreende. Nuno Gomes quis um clube que acreditasse em si, segundo afirmou, assinou pelo Sporting de Braga e tem-se fartado de marcar golos nos treinos para deleite dos adeptos da sua nova casa. E isto passa-se em cima de alguns episódios mirabolantes que vieram recentemente a público.

Revelou o jornalista Jorge Baptista num programa em directo na SIC Notícias e foi manchete de primeira página do Correio da Manhã um facto sem precedentes de espionagem no mundo do futebol. haverá escutas da PJ reveladoras de que o FC Porto teve e ainda tem espiões seus nas estruturas dirigentes do Benfica e do Sporting e que, por isso mesmo, no Dragão sabem-se todos os passos da vida interna dos seus dois rivais lisboetas.

Terá sido o espião do FC Porto na Luz que informou para a sua sede os contornos do negócio Falcao o que permitiu ao FC Porto antecipar-se uma vez mais ao Benfica na corrida por um jogador referenciado pelos encarnados.

Quanto ao espião do Sporting já terá sido desmascarado e ocupa agora um lugar de menor relevo na estrutura de Alvalade. Assim sendo, não há que assacar-lhe as culpas da ida de João Moutinho de Alvalade para o Norte porque o excepcional relacionamento entre Pinto da Costa e os últimos presidentes do Sporting deixaram muito bem encaminhada a transferência de Moutinho sem que houvesse necessidade de recorrer a qualquer tipo de espionagem.

Estas notícias dos espiões são, convenhamos, absurdas. E enquanto não forem postas no youtube as ditas escutas que as provam, é muito difícil levar a sério o assunto. São, no entanto, notícias que só podem agradar muito ao FC Porto e ao seu presidente porque contribuem para alimentar a mitologia da máquina perfeita, da grande organização atenta a todos os detalhes que bem pode trocar, em cinco minutos, um André Villas Boas por um Vítor Pereira II . visto que o Vítor Pereira I é dos árbitros - sem que os resultados da equipa de futebol se ressintam minimamente.

Tomemos por exemplo o caso fresco da transferência de Nuno Gomes para o Sporting de Braga. Corre por Lisboa o boato de que foi Pinto da Costa a sugerir a António Salvador que fosse à Luz buscar o mal estimado Nuno Gomes porque cada golo marcado pelo antigo ídolo do Benfica será, certamente, uma alfinetada em seis milhões de almas.

Como o Benfica não tem espiões nem no FC Porto nem no Braga - até porque não tem dinheiro para essas veleidades que saem caras - presume-se que o boato nasceu como nascem todos os boatos: tendo por base a realidade, o desejo de um ajustamento ficcional dessa mesma realidade e comportamento-padrão dos diversos protagonistas, bem conhecido de todos.

Analisemos a questão do ponto de vista da Pedreira e do Dragão. Para que precisariam os presidentes Pinto da Costa e António Salvador de um espião na Luz, pago a peso de ouro, que lhes desse conta de todos os estados de ânimo de Nuno Gomes se, por menos de um euro, que é o preço de um jornal, qualquer leitor comum da imprensa desportiva já adivinhava há muitos meses a saída, sem pompa nem circunstância, do jogador?

O FC Porto não precisa de andar a gastar dinheiro em espiões.




QUARTA-FEIRA, 6 DE JULHO

A felicidade de Fábio Coentrão em Madrid é bonita de se ver. E devemos respeitá-la. Apesar da sua juventude e do seu look Caxinas-chique, Coentrão é um rapaz à antiga, tradicionalista fervoroso que mandou às malvas Abrahmovich, Villas Boas e as notas de libras porque não quis trocar o prestígio de ser jogador do Real Madrid, um sonho seu de infância, pela aventura londrina, ainda que melhor paga.

E quem sabe se, dando-se o caso de Villas Boas não ser feliz no Chelsea, Fábio Coentrão não teria para o ano como treinador em Stamford Bridge um Vítor Pereira I em ascensão meteórica?

Coentrão é todo ele 'old school'. A jogar e a pensar. Que seja muito feliz em Madrid. E nós por cá ficamos com o Vítor Pereira I, por enquanto, e com o Vítor Pereira II, por muitos, muitos anos."


Leonor Pinhão, in A Bola

Mais vale tarde que nunca

"Percebe-se agora porque é que o futebol tem de ter códigos e órgãos de disciplina próprios, independentes dos do foro ordinário. De outro modo, seria o caos. Peguemos no caso Calciopoli, iniciado e concluído em 2006, que teve como consequências mais visíveis a despromoção da Juventus à Serie B e a penalização em pontos do Milan e da Fiorentina. Passaram-se cinco anos(!) e só agora é que o processo na justiça comum, que começou na mesma altura no tribunal de Nápoles, chegou ao seu termo. Nem tudo foram coincidências nas sentenças proferidas de um lado e outro, o que obriga a Federação a rever algumas das suas decisões. A mais relevante de todas é a que implica no escândalo também o Inter, que não havia sido apanhado nas malhas das instâncias desportivas. Tendo, porém, em conta que as transgressões para os agentes desportivos prescrevem ao fim de dois anos e para os clubes ao fim de quatro, nada lhe acontecerá em termos disciplinares. Mas o mesmo, ao que parece, não se irá verificar no que toca ao scudetto de 2005-2006, que como se sabe, lhe foi atribuído na secretaria pelo comissário federativo Guido Rossi, depois de dele ter despojado a Juventus. Não será concedido a ninguém, como em 2005. A perspectiva aterra Moratti que já anunciou que, se isso suceder, apelará para todas as instâncias até ao Conselho de Estado, uma espécie de tribunal constitucional. A resposta virá no próximo dia 18.

A Roma pertencia à família Sensi há 18 anos, desde 8 de Novembro de 1993 até 29 de Junho de 2011. Nela delapidou uma fortuna: hotéis, terrenos, depósitos de armazenamento de combustível... Centenas de milhões. Dela saiu sem um tostão mas com muitas lágrimas. Foi na última quarta-feira. Desde a morte do patriarca Franco, em 2008, era governada só por mulheres. Algumas de fibra como a presidente Rosella Sensi. Do conselho de administração faziam parte a mãe, uma tia e as duas irmãs."


Manuel Martins de Sá, in A Bola

Futebolês (II)

"Os pleonasmos são frequentes na linguagem. Não os pleonasmos literários, figuras de estilo utilizadas por escritores, mas os pleonasmos viciosos, ou seja, a repetição inútil de palavras.

O futebolês, na sua oralidade, é campo fértil para estas redundâncias. Umas genéricas, outras futebolísticas.

Há sempre um jogador que é um elo de ligação entre a defesa e o ataque, um treinador que tem a certeza absoluta que vai ganhar e exultar de alegria, um jogo dividido em duas metades iguais, um plantel que não tem outra alternativa para o ataque, um treinador que grita alto para os atletas, mas que mantém a mesma equipa e encara de frente os jornalistas. Ou uma equipa que, juntamente com a adversária, chegou ao limite extremo do esforço. Por vezes, até há um consenso geral em que todos são unânimes sobre um penalty. Mas, há uns tempos atrás, houve necessidade de repetir de novo as imagens.

Ouvimos dizer que uma equipa tem mais posse de bola ou que a bola é redonda! E que o esférico rasou por milímetros o poste da baliza toda aberta. Ou que é nos pequenos detalhes do jogo jogado que se constrói o resultado final, fruto de treino específico e da escolha opcional do mister. Que, aliás tem de decidir diante de uma multidão de pessoas, mesmo quando se estreia pela primeira vez. Às vezes, o treinador volta de novo ao antigo clube, como protagonista principal para dar uma volta completa de 360º. Mas, para isso, é preciso lateralizar o jogo pelos flancos e introduzir dentro da baliza a bola, mesmo que a pisem com os pés. Numa Liga que não é monopólio exclusivo de ninguém, e onde não se pode dar de graça qualquer ponto.

Impróprio para cardíacos ou menos próprio para linguistas?"


Bagão Félix, in A Bola

Futebolês, parte um

O defeso é um período onde se empata, até no tempo. Por isso, à míngua de jogos e verdadeiras notícias sobre futebol, esta semana vou concentrar-me no futebolês. Um quase dialecto - só ao alcance dos especialistas - que o futebol vem segregando através de uma deliciosa linguagem própria, mistura de tautologias, lugares-comuns, automatismos, paradoxos, metáforas, pleonasmos e hipérboles.

Hoje - e ao correr da pena (aliás, do teclado) - deixo aqui registadas algumas das mais badaladas frases que fazem o deleite deste linguajar:

-Quem não marca arrisca-se a perder; Foi uma boa jogada de trás para a frente; A equipa não pode ficar à espera do resultado; A bola circula bem, mas o campo está inclinado; O único pensamento que temos é ganhar; A equipa consegue sair a jogar; É sempre bom ganhar; Os jogadores sabem o que devem fazer dentro das quatro linhas; A equipa deixou a pele no campo e
comeu a relva; Jogou-se mais com o coração do que com a cabeça; Há muito jogo aéreo porque não há espaços; Começou a fase do chuveirinho; O árbitro é soberano; Mas a agressão... parece involuntária; Fez um belo túnel naquela diagonal; Um canto com conta, peso e medida; Foi a defesa da tarde (mesmo que à noite); De vez em quando, os extremos tocam-se; A equipa corre atrás do prejuízo; Meteu a cabeça onde os outros não metem o pé; Fez uma defesa do outro mundo; Enquanto for matematicamente possível, não desistiremos; Um falso lento; Um passe
milimétrico; O jogador não acreditou... e falhou; Tem de rodas para crescer; Lance de bola parada (estranho não é?); O jogador foi ao homem e não à bola...; ...Mas é bom de bola; Até arrumar as botas.

Amanhã falarei de alguns pleonasmos bem deliciosos."

Bagão Félix, in A Bola

Pior a emenda

"Depois de ter passado a época inteira a criticar as entrevistas de Jorge Jesus à Benfica TV, qual foi a primeira coisa que André Villas-Boas fez quando chegou a Londres? Deu uma entrevista à Chelsea TV, esse sim, um canal com jornalistas isentos que colocam questões extremamente incómodas. Seja como for, tanto nessa primeira entrevista como na conferência de imprensa em que se estreou esta semana, diga-se que o novo treinador do Chelsea convenceu os exigentes media ingleses com um discurso inteligente e humilde. Quase toda a gente teve direito a recados: José Mourinho (“isto não é um one man show”), o plantel do Chelsea (“se os jogadores perdem o respeito pelo treinador, alguma coisa está errada”) e até os Super Dragões (“vim para o Chelsea contra a vontade da minha família”).
Villas-Boas terá cometido apenas um deslize. Apesar de agora se encontrar a trabalhar num país protestante, não deixou de sucumbir à ética católica e decidiu revelar que a sua ida para o Chelsea não foi motivada pelo dinheiro – dado que o FC Porto até cobria a oferta de Abramovich – mas sim pelo desafio. O que, convenhamos, piora o caso. Pessoalmente, não respeito profissionais que violam as suas convicções sem ser por grandes somas de dinheiro. Veja-se o meu exemplo: eu não acredito no trabalho; mas, por uma quantia, abdico momentaneamente dessa minha convicção e labuto com gosto. Aliás, qualquer historiador certificará que o próprio amor só recentemente passou a ser motivado pelo amor; até há bem pouco tempo, o casamento era uma transação financeira. E não consta que houvesse adeptos da filha do carroceiro a gritar no dia da boda: “Traidor! Disseste que gostavas da Lucrécia desde pequenino, mas vais é desposar a fidalga!”
Se Villas-Boas abandonou o seu clube do coração pelo desafio, então nesse caso dificilmente não se tratará de uma traição à causa portista. Além de que terá constituído um negócio ruinoso para Abramovich: em princípio, Villas-Boas teria aceitado de bom grado ir para Londres por menos dinheiro do que aquele que ganhava no Dragão."