quinta-feira, 2 de junho de 2011

O defeso

"O defeso é o período do ano em que é proibido pescar ou caçar. Ora, no futebol, o defeso é, ao invés, o período entre temporadas em que mais se procura caçar ou pescar. O deste ano começa num tempo em que, por força das eleições, há também a caça aos votos.

O defeso é sempre um tempo de renovada esperança, sobretudo para os perdedores da época terminada. E é a matéria-prima a que se agarra a informação desportiva, agora que o ciclismo já não desperta a paixão de outrora.

Normalmente, o defeso começa por ser o arrolamento caudaloso de jogadores sinalizados, acompanhados, oferecidos, apalavrados, pré-contratados, quase firmados, recusados, descartados, trocados e tudo mais. Tudo com o condimento excitante da utopia da caça grossa e o realismo sortido da caça miúda, enquanto se espanta a cala alheia, à espera do milagre de uma qualquer maquineta caça-niqueis. O defeso é, também, a época alta da intermediação de substanciais prebendas comissionistas.

Como sempre, o Benfica é o abono de família do defeso. Este ano, mais acompanhado pelo Sporting, por razões compreensíveis.

Leio quase tudo o que é noticiado sobre o meu clube, mas aqui confesso, humildemente, que já não consigo acompanhar o cacharolete de notícias sobre tantas hipóteses de contratação. Argentinos, brasileiros outros sul-americanos e versões em castelhano (será já o primeiro idioma do balneário?), cada qual com um nome mais difícil de fixar ainda que por breves instantes. Estou até a pensar em usar uma cábula à moda antiga, para não ficar inferiorizado perante... mim próprio.

Seja o defeso mais onírico ou simplesmente mais modesto, prefiro sempre a qualidade concentrada à embriaguez da quantidade liofilizada."


Bagão Félix, in A Bola

É que não havia mesmo necessidade

"DO ponto de vista dos interesses do Sport Lisboa e Benfica, fez bem Luís Filipe Vieira ao apresentar-se na noite de segunda-feira à hora marcada nos estúdios da TVI para ser entrevistado por Judite de Sousa no final do Jornal das 8. Nas 48 horas precedentes, o seu nome, o nome de Jorge Jesus e o nome do clube abriram noticiários e foram discutidos pelas piores razões em todos os cafés e barbearias do país.

Exigia-se, portanto, ao presidente do Benfica que aparecesse, que dissesse qualquer coisa e, de preferência, que mostrasse o contrato de Roberto a toda a gente. Foi o que fez. Em abono de si próprio e da defesa do Benfica neste episódio judicial, Vieira teve ainda a boa fortuna de ser entrevistado por uma jornalista que não estava ali, de modo algum, para lhe fazer o frete das perguntas amáveis e das deixas a preceito.

Compreende-se o interesse das autoridades pelo contrato de Roberto. Oito milhões e meio de euros é muito dinheiro por um guarda-redes que se revelou de uma mediania baixa, por vezes caricatamente baixa. Luís Filipe Vieira revelou sem qualquer tipo de embaraço, o que só lhe fica bem, que a PJ já aparecera na Luz há alguns meses para analisar o documento da transferência do jogador do Atlético de Madrid para o Benfica.

E, na sequência de todo este imbróglio de cariz policial que, como se sabe, vem logo a seguir a um imbróglio de cariz desportivo, já ouvi sócios e adeptos do Benfica manifestarem a sua revolta contra a Polícia Judiciária de forma muito veemente. Mas por não terem ido à Luz logo em Agosto do ano passado arrecadar o próprio Roberto solucionado, assim, o problema da baliza do Benfica.

Era pedir demais à PJ, no entanto, que fosse ela própria, enquanto instituição, a resolver a tempo uma questão que marcou de forma indelével a última temporada dos ex-campeões nacionais.

Vieira, em directo da TVI, sugeriu à PJ a criação de uma equipa especial de investigação dos negócios do futebol. É impensável, em prol do progresso e da civilização, que essa equipa não exista já. E é muito importante que exista e que trabalhe com todas as condições. Mas, respeitando as opiniões em contrário, foi bastante despropositado aquele desafio lançado pelo presidente do Benfica no sentido da PJ investigar as contas e as transferências do FC Porto.

Mais do que um desafio despropositado, foi uma sugestão absolutamente dispensável no contexto actual. É que não havia mesmo necessidade...

Tendo o Correio da Manhã noticiado em manchete que a PJ tem escutas que comprometem a lisura de processos e de intenções de responsáveis da Luz e de agentes desportivos na transferência de Roberto de Madrid para a Luz, há uma questão imediata e prática que os benfiquistas devem desde já salvaguardar. E por mim falo. Se essas escutas existem e se, algum dia, forem disponibilizadas no Youtube, nem nada nem ninguém nos impedirá de as comentar livremente e sem constrangimentos de qualquer espécie. O Benfica, felizmente, é um país livre.

Luís Filipe Vieira teve também de responder às perguntas de Judite de Sousa sobre a transferência de Júlio César do Belenenses para o Benfica. Em causa, segundo o Correio da Manhã e o Diário de Notícias, estarão parte das verbas desse negócio, suspeitas de terem servido para pagar comissões indevidas a terceiros. E é aqui que entra o nome de Jorge Jesus. O presidente do Benfica, fazendo o que lhe competia por inerência de cargo, defendeu o seu treinador com aparente convicção.

São temas que vão continuar na ordem do dia pelos próximos largos tempos. Como benfiquista desejo muito ver Jorge Jesus tão rapidamente ilibado deste episódio infeccioso como rapidamente foram ilibados os pepinos espanhóis do episódio bacteriano que está a alarmar a saúde pública europeia.




EM Wembley foram 87 mil os espectadores que assistiram à final da Liga dos Campeões. Outros 160 milhões espalhados pelo mundo viram o jogo através da televisão. Em Portugal, o Barcelona - Manchester United também despertou muito interesse e fez balançar de maneira especial o coração dos adeptos.

Muito para além dos apreciadores do jogo, diletantes puros, indiferentes ao resultado desde que o espectáculo fosse garantidamente excepcional, como foi, também houve quem se sentasse no sofá, de frente para o aparelho, a desejar uma vitória dos ingleses por causa de Nani, o único português em palco. E chama-se a isto um sentimento patriótico.

E ainda houve quem fizesse figas pelo triunfo do Barcelona pelo prazer pequenino de ver José Mourinho e o seu Real Madrid novamente acabrunhados com mais um sucesso do arqui-rival da Catalunha. Sim, porque, contingências várias, há uma irrequieta facção anti-Mourinho em Portugal.

Ganhou o Barcelona e com uma mestria que até fez impressão. Por isso mesmo, foi um sábado terrível para o Real Madrid. E para José Mourinho? Respeitando as opiniões em contrário, a vitória imperial do Barcelona, reduzindo à vulgaridade o Manchester United, foi para José Mourinho a melhor coisinha que lhe podia ter acontecido neste final de uma temporada que não lhe correu tão bem como o mundo inteiro aguardava.

O Barcelona saiu de Wembley consagrado como a melhor equipa do mundo e arredores. O seu poderio não nasceu no último defeso. Vem sendo construído há anos graças a um trabalho de prespecção e de formação de talentos ainda imberbes que vão chegando à equipa principal com uma frequência imparável assim que a barba lhes começa a despontar.

Destronar este Barcelona, programado à distância, é uma tarefa muito complicada. O futebol não é uma ciência exacta, dizem. Mas o Barcelona é.

Cabe historicamente ao Real Madrid reagir a isto. E preparar-se para a vingança, reconquistando no campo o seu estatuto perdido. Analistas apressados concluíram rapidamente que o despedimento de Jorge Valdano foi o primeiro passo nesse sentido e que foi obra de Mourinho.

Nada mais errado. O despedimento de Valdano foi exclusivamente obra do Barcelona. Tivesse o Real Madrid feito uma época com mais títulos do que a solitária Taça do Rei e Valdano, director-geral do clube há mais de uma década, continuaria em Chamartin intocável e sorridente.

O problema do Real Madrid é, actualmente, a absurda altura da fasquia a que o Barcelona se alçou. E por muito especial que seja José Mourinho, ninguém de bom senso lhe pode exigir que resolva, numa época ou duas, a questão estrutural que preside a esta distância que se começa a alargar entre os dois emblemas.

No entanto, ganhando ou perdendo, o Real Madrid vai continuar a ter uma equipa de futebol que dá gosto ver jogar. E com Fábio Coentrão de blanco será, certamente, uma equipa admirável. Mas mesmo a superior achega do grande Fábio Coentrão pode não chegar para o Real roubar ao Barcelona todo o ouro brilhantemente arrecadado nos últimos anos.




O Atlético subiu à II Liga e não há lisboeta que se preze que possa ficar indiferente a esta façanha dos da Tapadinha. Dizem os mais velhos que o Atlético foi uma grande vítima da primeira ponte sobre o Tejo que ligou Alcântara e Cacilhas, destruindo parte importante do bairro de Alcântara onde assentam os pilares que alicerçam a ponte.

O Atlético está de volta à notoriedade futebolística e vivam, pois, os nossos bairros populares!

E que bom seria que o Benfica se virasse para os bons ventos do Atlético da Tapadinha do que para os maus ventos e maus casamentos do Atlético de Madrid.

É porque Alcântara, enfim, é mais a nossa gente...




DESDE Lazlo Boloni, em 2001/2002, que mais nenhum treinador conseguiu ser campeão no Sporting. Já lá vão quase dez anos.

Domingos Paciência chega agora a Alvalade sem ter que temer a concorrência fresca do sucesso de colegas de profissão. À partida, todas as comparações num passado mais ou menos recente, de José Peseiro a Paulo Sérgio, de Paulo Bento a Carlos Carvalhal, são favoráveis à tranquilidade de Domingos.

E é esta uma das grandes curiosidades da próxima temporada. O jovem treinador português que fez o Sporting de Braga sonhar alto terá estofo para as peculiaridades que o aguardam?

E em Braga, como poderá explicar Leonardo Jardim, se tiver sucessos, que o mérito é seu e não de uma estrutura bem montada que já lançou dois ex-treinadores, Jesus e Paciência, para a alta-roda? Ora aqui está outra curiosidade para 2011/2012. E não é pequena."


Leonor Pinhão, in A Bola

Há 50 anos

"Completou-se ontem meio século sobre o primeiro grande feito do futebol português: O Benfica sagrara-se campeão europeu.

Como português e como benfiquista não poderia deixar de assinalar esta efeméride. Tinha eu 13 anos, naquele dia glorioso. Lembro-me bem da ansiedade, do nervoso e da excitação com que vivi o antes, o durante e o depois daquela final.

Lembro-me do relato do som da rádio e da imagem sincopada da artesanal televisão. Apesar de ser a preto e branco, recordo-a como se fosse a cores, tal a fantasia que estava para além do que os olhos fisicamente enxergavam.

Lembro-me, como se fosse hoje, daquela bola na baliza do Benfica, que bate nos dois postes e acaba nas mãos do Costa Pereira. Apercebi-me para sempre do relativismo do tempo num jogo, com aqueles minutos finais a parecerem uma eternidade perante a avalanche do trio húngaro do Barcelona. Não sei até se a felicidade que reconhecidamente houve nesse jogo, condenou o clube à falta de sorte em finais perdidas mais tarde (em especial, contra o Milan em 63, Inter em 65, M.United em 68 e PSV em 88).

O futebol naquele tempo era mais puro. E certamente, mais ingénuo. Jogava-se o jogo pelo jogo. Até à exaustão. Não havia sequer lugar para o pseudo-espectáculo à volta dos jogos, nem para as conferências de imprensa ridiculamente ocas ou feitas do que agora se apelida sofisticadamente de mind games.

Tenho, para sempre, no meu coração os onze heróis de Berna. Todos portugueses. E benfiquistas, amando o seu clube acima dos contos de réis. O Benfica é mesmo a única que conquistou duas vezes o título europeu só com jogadores nacionais.

Por tudo isto, o meu reconhecimento profundo aos jogadores do Benfica por esta dádiva de vida!"


Bagão Félix, in A Bola