sexta-feira, 1 de abril de 2011

Ódio na noite

"Há actos de cobardia que não podem ficar sem resposta. O Benfica foi vítima de um desses actos ao ver apedrejados o autocarro que transportava a sua equipa e o carro do seu presidente, após o excelente resultado alcançado em Paços de Ferreira. O Benfica respondeu depressa e bem, separando com clareza as águas entre a dignidade do acto desportivo e a atitude infame de quem ataca à traição, a coberto da escuridão da noite, lançando pedras a partir de um viaduto. Também a ministro da Administração Interna respondeu com prontidão e firmeza. O Benfica podia ter incendiado os ânimos, mas não o fez, apelando à serenidade dos adeptos e à ausência de qualquer forma de retaliação, dando mais uma prova de responsabilidade cívica e de elevação institucional.

Tomando de empréstimo o título do livro de um escritor italiano, pode dizer-se que 'as palavras são pedras'. E há, de facto, palavras que magoam muito mais do que as pedras, sobretudo quando são proferidas por quem devia estar calado. Mas as pedras verdadeiras não só magoam como são reveladoras de um sentimento miserável e perigoso: o ódio. Foi disso mesmo que se tratou, e é difícil fugir a essa constrangedora constatação.

Continua a haver quem lide mal com a grandeza do Benfica e com a sua expressão nacional e internacional. A melhor resposta às pedras da inveja e do ressentimento são resultados como o obtido na Mata Real. Esses acertarão sempre em cheio nos espíritos fracos e mesquinhos.

Recordo-me de, há uns anos, esta forma de agressão cobarde ter custado a vida a alguns condutores em estradas portuguesas. Esse fantasma renasceu com esta acção terrorista, que exige investigação urgente e punição severa e célere. Os campos de Futebol não podem ser territórios de guerra de onde emerge a cobardia que fica impune.

Como dizia a minha avó, na hora de punir os culpados 'que não doam as mãos' a quem castiga, dentro da lei e em nome da justiça e da paz de que todos tanto precisamos."


José Jorge Letria, in O Benfica

Ridi Pagliaccio

"Pela porta entreaberta da taberna, vinda da janela com tabuinhas da Laura do 14, entra a ordem cantada em italiano:

-Ridi Pagliaccio! La gente paga, e rider vuole qua!

Sentado à mesa da batota, o Palhaço ri. Um riso velho de dentes amarelos de cáries e de mentiras. É assim a vida do Palhaço.

-Bah! Sei ti forse un uom? Tu se' Pagliaccio!

O Palhaço não tem graça. Ri-se sozinho nesse riso de rio de vinho tinto e em seu redor, salivando, os rafeiros arfam e abanam as caudas numa alegria estúpida de quem só sabe viver com dono. O Palhaço não é cómico: é trágico. Bah! Se ao menos fosse um homem. É um Palhaço. Veste o fato e enfarinha a cara. O nariz já não é vermelho de ser nariz de palhaço; é vermelho de álcool e esclerose.

A Laura do 14, no intervalo da clientela, pendura à janela as ceroulas do seu Palhaço que vai chegar a casa pela madrugada, de hálito apodrecido e restos de vomitado nos cantos da boca mal desenhada num sorriso grotesco. O Palhaço chega a casa exactamente dez minutos depois de ter saído o último cliente: o guarda republicano. Se há uma virtude no Palhaço é essa: é tão previsível, o Palhaço.

Ao longo da noite, esgota-se o rio de vinho tinto. O Palhaço bebe como uma esponja. Solta gracejos labregos de palhaço muito pobre e espoja-se no seu próprio vómito.

-Ridi, Pagliaccio. E ognun applaudirà!

O Palhaço está velho. O Palhaço não controla as entranhas. O Palhaço é triste, muito triste. Já nem a morte salvará o Palhaço do ridículo.

O Palhaço não tem crédito. Já nem na taberna de rio de vinho tinto, o Palhaço tem crédito. O taberneiro quer fechar. A Laura do 14 já cerrou as tabuinhas, mandando o guarda republicano para a cama da mulher. Os rafeiros já saíram de rabo entre as pernas à procura de pedaços de comida no lixo que os alimenta. O Palhaço leva a mão ao bolso e só encontra nele duas pedras e uma bola de golfe já usada."


Afonso de Melo, in O Benfica

O resto dos restos

"Tem semanas mas, ainda assim, não é coisa que se deva olvidar. Anões de saltos altos, assim chamo aos que se querem fazer maiores do que são, a qualquer preço. São-no os bajuladores, lambe-botas, intriguistas, conselheiros mal intencionados, informadores e gente que aldraba em proveito próprio, mesmo quando o ganho é de pouca monta. É certo que o estádio é uma bela obra, merecedora de prémio, é certo, também, que a cidade e os cidadões merecem ser dissociados do clube, dos adeptos com complexos de inferioridade mas, depois dos incidentes registados na 'pedreira', torna-se difícil encontrar atenuantes e inocentes por lá. Assiste-se ao eclodir de um anti-benfiquismo primário. Onde outrora moravam benfiquistas hoje habitam seres pequenos que se mostram servis perante os detentores do poder, conquistado com o recurso a entradas a pé juntos, cargas por trás e outras jogadas à margem da lei.

Os aprendizes de membros de sociedades secretas curvam-se às leis do medo, do vale tudo, e agora montam-se em escadotes para parecer maiores.

Há justificações para hinos contra o Sport Lisboa e Benfica, para o disparo de bolas de golfe e para tamanha e ostensiva agressividade? Não serão esses gestos próprios de outro tipo de público, daquele que tem construído e empunhado as suas armas num contexto de claro confronto com o SLB? Esse tipo de público odeia o Benfica, sem que se dê ao trabalho de perceber porque raio existe o ódio, mas esse público, com os seus defeitos, é autêntico na criminalidade e instinto provocatório. Esse é o original. Os anões de saltos altos nem disso se podem orgulhar, afinal, são uma cópia rasca de rascos falsários. São o resto o resto dos restos, o lixo dos lixos.

É uma pena termos chegado a este beco, nauseabundo e sujo. Pedem todos quantos gostam de Futebol, para que, de uma vez por todas, não se confunda rivalidade com batalha campal. E nem com escadas, os anões de saltos altos saberão aproveitar o espectáculo."


Ricardo Palacin, in O Benfica