"Alguns lembrar-se-ão. Uma das mais antigas edições portuguesas de «Animal Farm», de George Orwell, ganhou em português o nome de «Triunfo dos Porcos». Havia um porco velho, chamado Major, que sonhava com uma revolução contra o poder antigo e centralizado dos homens. As regras eram claras:
«1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
2. Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas ou tenha asas é amigo.
3. Nenhum animal usará roupas.
4. Nenhum animal dormirá em cama.
5. Nenhum animal beberá álcool.
6. Nenhum animal matará outro animal.
7. Todos os animais são iguais.»
Portugal: ano 2010. A revolução dos porcos tomou conta do País, das ruas, dos cidadãos, dos tribunais e das mentalidades. Sabemos que qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo: sobretudo, se tiver o vício de dizer a verdade e não aceitar a corrupção intelectual a que o querem sujeitar. Sabemos que os quadrúpedes são amigos: principalmente aqueles que nos mentem, que nos roubam e insultam a nossa inteligência. Sabemos que os animais não usam roupas, não dormem em camas nem bebem álcool (a menos que dê jeito para atropelar impunemente um fotógrafo infeliz ou espancar incautos jornalistas). Não temos a certeza de que nenhum animal mate outro animal; mas estamos convencidos de que a qualquer momento um animal é capaz de matar alguém que ande sobre duas pernas. Sabemos que todos os animais são iguais: conhecemo-los bem! Eles não se escondem. Andam por aí, alegres e impunes. São recebidos com pompa e circunstância no Parlamento; merecem a consideração de convites do Presidente da República, dão entrevistas, ocupam tempos de antena. Há uma máxima indesmentível nesta revolução dos porcos: «Quatro pernas é com; duas pernas é mau!» Não corram riscos: contem as vossas pernas! Alguns lembrar-se-ão do livro de Orwell: os porcos levantaram-se e começaram a andar apenas nas patas traseiras. Os porcos levantaram-se! Caminham sobre as patas traseiras. Até conduzem automóveis. Tenham cuidado: não se atravessem nunca na frente de um porco que guia!"
Afonso de Melo, in O Benfica